Hollow Knight Silksong reforça exclusão de jogadores com deficiência

Depois de anos esperando, Hollow Knight: Silksong finalmente chegou às mãos do público — e muita gente já terminou o jogo. O hype acabou com as piadas de eventos passados e se transformou em carinho generalizado pela sequência da Team Cherry. Ainda assim, por mais que eu admire a proposta do jogo e o gênero, eu não consigo me empolgar com Silksong. Não porque o jogo seja ruim, mas porque ele reforça um problema estrutural dos Metroidvanias: a inacessibilidade embutida nas mecânicas centrais. Neste texto não vou fazer a análise padrão de jogabilidade por frames, desempenho ou design de chefes — afinal, eu não consigo jogá-lo. Vou apontar onde o gênero e Silksong empacam quem tem deficiência, e o que poderia ser feito para permitir que mais pessoas voltem a jogar esses títulos que tanto amamos.

Vai além da dificuldade

Dificuldade é o alvo óbvio nas discussões sobre acessibilidade em jogos — e com razão. Silksong, como Hollow Knight antes dele, exige plataforma e combate precisos, além de padrões de leitura de ataque muito rápidos. A reação da Team Cherry foi rápida: dois chefes do começo do jogo foram nerfados na primeira semana. Mas discutir apenas “difícil vs fácil” é reduzir o problema.

Dificuldade é o “fruto à vista” quando falamos de acessibilidade. Já vimos consultores e jornalistas clamando por opções de dificuldade e ajustes dinâmicos, e isso é importante. Porém, focar só nisso é perder outras barreiras cruciais: falta de opções de controle refinadas, menus pobres, ausência de sistemas que reduzam a necessidade de rapidez cronometrada e mecânicas que forçam timing milimétrico desde o começo. Será que alterar só os números dos inimigos resolve o problema de alguém que perdeu controle fino das mãos? Não resolve.

O que Silksong não oferece

Silksong tem configurações extremamente básicas para um lançamento de 2025. Volume via sliders, HUD escalável e rebindings, mas apenas para botões específicos — nada de remap completo por ação, nem perfis de controle personalizáveis. Para quem usa controles adaptados ou precisa de configurações por botão (por exemplo, trocar pulo com um gatilho maior, ou usar auto-fire com um botão dedicado), isso é limitador.

O que mais me incomoda é a falta de funcionalidades que hoje são consideradas ótimas práticas em Metroidvanias modernas. Prince of Persia: The Lost Crown introduziu o sistema de Memory Shards: você tira uma “foto” de um local e fixa no mapa — um lembrete persistente de áreas que precisam de habilidades específicas para serem acessadas depois. Isso mudou o jogo para muita gente ao reduzir a pressão por memorização espacial e velocidade de exploração. Silksong tem marcadores compráveis no mapa, o que é útil, mas não chega nem perto da usabilidade dos Memory Shards.

Silksong entrega o mínimo histórico de opções — nada que se aproxime do que já vimos em jogos que reinventaram o gênero em termos de acessibilidade. Entendo limitações de engine e orçamento, mas quando um jogo falha em oferecer ferramentas básicas para leitura do mapa, gerenciamento de combate e adaptação de inputs, ele exclui um grupo inteiro de jogadores sem necessidade técnica real.

O que Silksong oferece

Não quero parecer cegamente crítico: Silksong tem decisões de design que ajudam. As Tools (ferramentas) introduzem alternativas interessantes para jogadores com dificuldades motoras ou cognitivas. A Fractured Mask, por exemplo, evita que um golpe fatal mate Hornet — é uma segunda chance que recupera no descanso. Isso é ouro para quem precisa de margem de erro por limitações físicas ou para aprender padrões de ataque sem a frustração do “one-shot”.

O Compass mostra sua posição no mapa — essencial para quem tem problemas de orientação espacial ou memória de ambientes. E a Magnetite Dice, que pode anular aleatoriamente um único hit, serve como uma espécie de “salva-vidas” imprevisível para sessões longas onde a fadiga física reduz a performance. São escolhas de design inclusivas, sim, mas com uma grande ressalva: quase todas essas soluções estão travadas atrás de progressão.

Os itens ajudam — mas só depois de horas de jogo, derrotas e exploração que muitos jogadores com deficiência talvez não consigam completar. Eu acredito que pessoas com deficiência merecem desafio, mas devem ter ferramentas desde o início para experimentar o jogo. Forçar a progressão como pré-requisito para acessar recursos de acessibilidade é um design excludente.

O problema maior do Metroidvania

Aqui está a raiz: Metroidvanias, por definição, misturam plataformas exigentes e combate com ritmo acelerado. Quando você perde função nas mãos, ou tem fadiga rápida, esse mix se torna impossível. Eu perdi função nas minhas mãos com o tempo e, mesmo com jogos que já tentam ser acessíveis, como The Lost Crown, a velocidade e a demanda por precisão continuam me impedindo.

Antes de comprar Silksong, um amigo testou e veio com um conselho direto. “Não compre o jogo — a velocidade e a destreza necessárias pra platforming, combate e uso de itens vão te exaurir e frustrar”, disse ele depois de algumas horas jogando. Isso resume bem: o problema não é só “é difícil”; é que o núcleo do gênero exige rápidas entradas e leituras de situação que não têm alternativas reais — como modo de jogo lento, buffer de input inteligente, modos de auto-aim para ataques baseados em direção, hold-to-activate vs tap, ou redução de velocidade de animações para quem precisa mais tempo.

Também faltam opções de design que poderiam mitigar essa barreira sem destruir o desafio para quem quer jogar “hardcore”: por exemplo, perfis de acessibilidade que ativam apenas em modo single-player, ajustes de velocidade temporais (slowdown toggle nos boss fights), modos de assistência para travar mira em pontos críticos, e ferramentas que permitam jogar com menos inputs (modos “single-button” para ações repetitivas, auto-usage de consumíveis quando a vida está abaixo de X). Pergunto: por que não colocar essas opções como toggles opcionais desde o menu principal? Elas não diminuem a integridade do design — expandem a audiência.

Como fã do gênero, isso dói. Não é raiva; é frustração. Eu quero jogar essas experiências intensas, quero sentir aquele pico de correr, esquivar e vencer um chefe depois de dominar o padrão. Mas eu também quero a escolha de adaptar a experiência ao meu corpo. Se não posso, o jogo se torna um produto para “outros”, não para mim.

Se desenvolvedores não aprendem com esses erros, muitos fãs — como eu — vão continuar assistindo de fora. Silksong é uma obra impressionante em muitos níveis: arte, trilha, level design. No entanto, do ponto de vista da inclusão, é um lembrete de que até sequências aclamadas podem repetir velhos vícios.

Como comunidade de jogadores e como desenvolvedores, a lição é clara: precisam existir caminhos para que a experiência seja mantida sem que os controles finos e a velocidade sejam o único ingresso para o jogo. Mais opções de input, sistemas que reduzam a penalidade por erro, marcadores persistentes e ferramentas desde o início são medidas práticas e relativamente baratas de implementar — e já provadas por jogos recentes que fizeram bem esse trabalho.

Se você trabalha com design de jogos ou influencia políticas de desenvolvimento, peço que veja Silksong como estudo de caso. Inspire-se no que funciona — como os Memory Shards — e corrija o que exclui. Eu ainda quero voltar ao gênero. Você também quer? Se a resposta for sim, então precisamos exigir jogos que nos dêem a chance de tentar.