Tales of the Shire: Análise de um jogo de O Senhor dos Anéis que decepciona

Desde a proposta de viver uma rotina tranquila no Condado até prometer uma experiência aconchegante no universo de O Senhor dos Anéis, Tales of the Shire tinha tudo para ser a mistura perfeita de nostalgia e jogabilidade relaxante. Em vez disso, a aventura de 25 horas se mostrou um desfile de mecânicas rasas, performance capenga e tarefas repetitivas que, em vez de acalmar, deixaram a impressão de estar preso nos Pântanos Mortos. Se você está curioso para entender por que esse título desperdiça um cenário tão icônico, siga comigo nesta análise detalhada.

Estrutura e mecânicas principais

Tales of the Shire segue a cartilha de games como Animal Crossing e Disney Dreamlight Valley: uma vila pacata, mini-jogos de pesca, jardinagem e cook para criar laços com NPCs. Você assume os pés peludos de um hobbit recém-chegado a Bywater, encarregado de restaurar sua toca, cultivar ingredientes e fazer quests para assegurar que a comunidade receba o status oficial de vila. A premissa soa atraente, mas as promessas se dissipam tão rápido quanto fumaça de Mithril.

A jornada inicia com tarefas simples: pescar em pontos predeterminados do rio, colher vegetais, alimentar galinhas e entregar marmitas para os vizinhos. Na teoria, esses loops deveriam relaxar; na prática, são tão superficiais que lembram protótipos iniciais de life sim não polidos. Quase não há progressão em cada atividade — depois de algumas horas, tudo converge para a mesma rotina repetitiva, sem introduzir desafios ou upgrades significativos que justifiquem o esforço.

A narrativa minimalista coloca Gandalf e Rosie Cotton em papéis coadjuvantes, mas a ausência de voice acting tira grande parte do charme: esperar 15 horas de jogo para ouvir o mago mais famoso da Terra Média falando em texto estático quebra a imersão. Em um universo que preza por diálogos ricos e ambientação sonora, esse vazio soa especialmente destoante, como se metade da produção tivesse sido redcuted para atender a prazos apertados.

Mecânicas de life sim: rasas e dispensáveis

A beleza dos melhores life sims é descobrir camadas de profundidade escondidas, atividades que evoluem e recompensam o player conforme você se dedica. Em Tales of the Shire, essa dinâmica não existe. A cada nova estação – que muda a estética da vila e desbloqueia ingredientes diferentes – você encara longos períodos de repetição cansativa sem recompensa. O tempo em que o jogo promete “descobrir surpresas” se resume a trocar cenários de neve, flores ou folhas secas, enquanto você coleta as mesmas frutas, raízes e flores em mapas minúsculos.

Pescar, por exemplo, é limitado a poucos spots no riacho. O upgrade do fishing rod, longe de expandir a variedade de peixes ou locais de captura, só aumenta ligeiramente a velocidade de arremesso e recolhimento. Ao final de dezenas de quests que exigem horas de pesca, você continua capturando sardinhas, trutas e carpas genéricas — nenhuma espécie exótica, nenhuma mecânica nova que teste suas habilidades. A sensação é de estar repetindo um tutorial básico de fishing sem evolução real.

Jardinagem e forrageamento seguem o mesmo script: áreas fixas com itens reaparecendo num loop previsível. Não há nenhum sistema de deep crafting ou cross-breeding de plantas, muito menos eventos sazonais que alterem drasticamente a gameplay. O saldo é uma sucessão de tarefas burocráticas que parecem existir apenas para encher o mapa de marcadores de quest sem agregar valor à experiência como life sim.

A alquimia da cozinha como principal ponto alto

Se todas as outras tarefas são rasas, o cooking minigame é o único segmento que evolui ao longo do jogo. Ao combinar ingredientes para preparar pratos típicos de hobbits, você ativa o verdadeiro loop de progressão social: cada refeição compartilhada com vizinhos aumenta o social link e abre novas receitas e ingredientes. Aqui, o design brilha um pouco mais — sobretudo depois de desbloquear panelas, utensílios e seasonings que adicionam complexidade ao preparo.

O processo funciona assim: você escolhe entre seus ingredientes coletados (vegetais, carnes, temperos) e arma um prato balanceado em termos de sabor (sweet, savory, sour). Com base na preferência de cada hobbit, um prato bem executado rende pontos de afinidade e desbloqueia diálogos extras e recompensas. Essa chain de feedback positivo é inteligente, pois incentiva a dedicar tempo à coleta por um propósito claro: agradar o vizinho e aprofundar a relação.

No entanto, o próprio minigame falha em vários aspectos. Nos primeiros 10 a 12 horas, antes de liberar gadgets de cozinha, a interface é simples demais, com pouca variedade de receitas e sem desafios de tempo ou precisão. Além disso, a dependência exagerada de chores para adquirir ingredientes faz com que o próprio cooking se torne um pretexto frustrante para executar tarefas tediosas. E como você só pode convidar vizinhos uma vez por in-game day, sobra um ritmo altíssimo de waiting, o que contraria a proposta de um título cozy.

Personalização do lar e design de ambiente

Decorar e expandir sua toca deveria ser um dos pilares para reviver o sonho de ser um hobbit em um buraco aconchegante. Em vez disso, você recebe um layout estático: as paredes, portas e divisões nunca mudam de lugar, e as prateleiras, móveis e enfeites liberados por quests são limitados em quantidade e funções. Não há crafting para móveis customizados nem snap points livres — só mover ícones em um grid predeterminado.

A evolução do lar consiste em adicionar uma porta funcional (que demorou absurdamente para ser liberada), mais espaço de estocagem e um cercadinho de galinhas. Mesmo esses elementos básicos carecem de interatividade: as galinhas geram ovos de forma automática, sem manejo aprofundado de criação ou genética. O storage adicional só acomoda mais itens sem oferecer ordenação automática ou filtros, e a decoração é puramente estética, sem puzzles ou segredos escondidos nas paredes.

Apesar disso, o art direction acerta no visual “pintado à mão” com cores suaves e detalhes topos: as texturas transmitem a sensação de ilustração em aquarela. É uma pena que esse esforço gráfico seja ofuscado por problemas técnicos.

Performance, bugs e estabilidade

Não há como ignorar que Tales of the Shire sofre de problemas de engine, seja no PC de alta performance ou no Xbox Series X. Fontes não oficiais de benchmark registraram framerate médio de 45 fps no modo performance a 1080p, mas com falhas de framerate constantes — quedas para 20 fps ao atravessar a ponte de madeira de Bywater, stutters e hitching quando assets são carregados. Em configurações máximas a 4K, o jogo mal atinge 30 fps, e a qualidade de shadows e ambient occlusion apresenta aliasing gritante.

O asset streaming é ineficiente: enquanto caminha, é comum ver arbustos e cercas “pop-in” a poucos metros de distância, o que quebra totalmente a imersão. Crashes são frequentes, especialmente após o ritual de compartilhar um meal com vizinhos — nesse ponto, o autosave se perdeu diversas vezes e me forçou a repetir dias inteiros, somando horas de gameplay perdidas. Uma vez, levei cinco tentativas para finalizar uma única tarde no jogo, em razão de um crash no momento de plugar a panela de cozimento.

Em uma nota positiva, um patch liberado próximo ao fim do meu playtest melhorou levemente o load de texturas e diminuiu a taxa de crashes em 15%. Mas, mesmo assim, a estabilidade continua longe do aceitável. O teste no Switch então… chega a ser outra história de terror: taxa de frames abaixo de 20, texturas borradas, enormes tempos de loading e múltiplos freezes. Para quem busca um título cozy para portáteis, a experiência é inaceitável.

Elementos narrativos e ambientação

O enredo de Tales of the Shire é tão raso quanto suas mecânicas: a comunidade de Bywater vive pequenos conflitos de hobbits (quem ganhou mais vegetais no festival? quem descortinou melhor a bibliotheca comunitária?). Embora haja diálogos divertidos e referências sutis ao cânone Tolkien, a falta de voice acting e cutscenes dinamizadas torna tudo muito mecânico. Os NPCs entregam quests com fala em texto, sem lip sync ou entonação, quase como se fossem side-quests recicladas de qualquer outro life sim.

Alguns momentos cômicos surgem: um hobbit obcecado por figos que faz mil exigências, outra que quer competir no campeonato de muffins. Esses pequenos highlights lembram o humor único da franquia, mas duram segundos e ficam enterrados em 20 minutos de fetch quests e menus burocráticos. A interação social é superficial: basta entregar o prato preferido e voilà, +10 affinity; mas não há branching narratives, missões conjuntas ou cenas interativas reais.

Vale a pena para o fã de first-person cozy?

Considerando minha paixão por shooters competitivos e jogos de ação em primeira pessoa, confesso que a transição para um life sim no estilo “pipoca e chá” soou tentadora. No entanto, a soma de mecânicas inacabadas, bugs críticos e progresso entediante faz com que Tales of the Shire não seja recomendado, nem para fãs hardcore de O Senhor dos Anéis. Se você busca um simulador de vida envolvente, títulos como Stardew Valley, Spiritfarer ou mesmo Disney Dreamlight Valley (apesar dos microtransações) oferecem loop de jogabilidade mais sólido e melhor polimento técnico.

Para quem quer cozinhar e coletar ingredientes, recomendo investigar Fantasy Life i: The Girl Who Steals Time ou Viva Piñata: Trouble in Paradise. Se o foco é liberdade de construção e comunidade, Animal Crossing: New Horizons ainda reina absoluto. E, claro, Minecraft com mods de Middle-earth continua a entregar um sandbox infinitamente mais criativo — e livre de crashes.

Mesmo com humor simpático e um cenário sonhado por qualquer Tolkien nerd, Tales of the Shire tropeça em design e performance. Ao final das 25 horas, o mais próximo de uma experiência “cozy” que senti foi o conforto de ter desligado o game e voltado para algo que realmente funcione sem frustrações.