Daniel Vávra, cofundador da Warhorse Studios e roteirista de Kingdom Come: Deliverance, bateu o martelo sobre The Outer Worlds 2: terminou o jogo e deu 7/10 — mas foi além da nota, acusando a Obsidian de não inovar no RPG mesmo com todo o suporte da Microsoft. A crítica não é só sobre qualidade; é sobre direção criativa e o quanto um estúdio que nos deu clássicos como Fallout: New Vegas deveria (ou não) estar empurrando o gênero pra frente. Vale a pena destrinchar onde essa discussão pega fogo e o que realmente mudou — ou não — na fórmula dos RPGs de ação.
“Terminei. 7/10. Mas o que acho triste é que a empresa e as pessoas que nos deram um dos meus jogos favoritos (Fallout & New Vegas) não conseguiram, nem depois de 15 anos e com todo o dinheiro da Microsoft e os avanços tecnológicos, inventar um único novo mecanismo de jogo que levasse essa fórmula comprovada e antiga para algum lugar novo.” — Daniel Vávra
Flaws, Traits e a ilusão de novidade
A discussão começa pelo tal sistema de Flaws do jogo — perks poderosos que vêm com contrapartidas. A diferença prática entre Flaws e os antigos Traits do Fallout é sutil: ambos dão vantagens e desvantagens, mas a implementação é o que gera debate. Em The Outer Worlds 2, os Flaws não são simplesmente escolhas no menu; eles aparecem dinâmicamente, dependendo do seu estilo de jogo. Se você curte andar agachado, aparece a opção Bad Knees: você anda agachado mais rápido, mas sempre que levanta suas pernas estalam e podem alertar inimigos. Isso dá uma sensação de jogo reagindo ao jogador, quase como um mestre de mesa improvisando um plot twist.
“Fallout tinha Traits com aspectos negativos” — Daniel Vávra
Então, é um truque novo? Para alguns jogadores, sim — pelo fator descoberta e pela forma como o jogo “te observa” e te oferece opções. Para outros, como Vávra, é uma variação de algo já visto. A verdade técnica é intermediária: o conceito não é revolucionário, mas a entrega — surgimento contextualizado e impacto direto no gameplay — traz uma camada de design que se destaca. Nem todo novo recurso precisa ser 100% original para agregar valor; a questão é se ele muda a maneira como você joga.
Diálogo, informação e o jogo que recompensa exploração
Outro ponto de inovação sutil em The Outer Worlds 2 é o sistema de memória de informações. Em vez de somente atrelarem opções a uma barra de habilidade de fala, as conversas podem desbloquear respostas únicas baseadas em informações que você descobriu no mundo — terminais, papos com NPCs, ou itens examinados. Isso incentiva exploração e leitura do ambiente, e não só a subida de nível em uma skill. Você já jogou um RPG e sentiu que podia ter resolvido uma situação se tivesse vasculhado mais antes de falar com o contato chave? Pois é: aqui isso é formalizado e recompensado.
Isso cria possibilidades interessantes de roleplay — brincar de detetive espacial, por exemplo — e acrescenta densidade narrativa sem abrir mão da estrutura de quests clássica. No aspecto técnico, é uma solução elegante para uma reclamação antiga: diálogos que só dependem de números em uma árvore de skills acabam empobrecendo a imersão.
O que muda de verdade é a sensação de que o mundo ‘guarda’ conhecimento que você pode usar; isso dá gosto de explorar.
Muitos críticos, inclusive Vávra, reclamam que, no fim, essas arestas não são suficientes para chamar The Outer Worlds 2 de um salto generacional. E tem um ponto: não é Skyrim ou Fallout por escala. As arenas do jogo são mini-abertas, menos simuladas e com menos sistemas emergentes rodando por trás. Se sua expectativa é um mundo vivo que reage independentemente das missões — economia simulada, NPCs com rotinas reais que alteram o mapa — este não é o título que entrega isso.
A Obsidian, historicamente, trabalha com foco e limites de escopo. Em vez de brigar para ser um “Bethesda killer” em escala, a empresa prefere lapidar experiências menores e mais coesas. É uma decisão de produto e de negócio: lançar mais títulos, controlar orçamento e prazos, e construir franquias com identidade própria. Isso explica por que a Outer Worlds 2 é um sucessor espiritual de New Vegas em tom e espírito, mas não em escala e mecânicas emergentes.
Vávra também toca num ponto sensível: “com todo o dinheiro da Microsoft…” A crítica tem uma camada econômica. Sim, a Microsoft tem grana; não, isso não significa que todos os estúdios tenham carta branca para explodir orçamento sem olhar retorno. A pressão por lucro existe e, nos bastidores, prioridades de produção (prazo, multiplayer opcional, metas comerciais) moldam o que é viável. Resultado: estúdios como a Obsidian fazem escolhas pragmáticas sobre onde investir tempo de equipe e pesquisa — e isso influencia o diagnóstico final de quem espera revolução.
Vale lembrar que a Obsidian lançou três jogos no ano, e isso fala de produtividade e metas realistas. A ambição aqui é entregar jogos consistentes e jogáveis, nem sempre o experimento ultrapassado que alguns fãs pedem.
Questionar o que falta em The Outer Worlds 2 é justo; dizer que o jogo não tem nada novo é talvez exagero. A inovação vem em camadas — sistemas que interagem, opções emergentes e o modo como o jogo te recompensa por jogar do seu jeito. Não é o salto para um mundo totalmente simulado, mas é um passo prático em direção a narrativas mais responsivas.
E então: você prefere um RPG que inova aos poucos, com mecânicas bem encaixadas, ou quer o salto grande que cria um mundo vivo e imprevisível — mesmo que demore anos pra sair? A resposta pra mim passa por expectativas: se você foi ao jogo esperando um Fallout em escala, vai sair meio frustrado; se você aceitar o que o título propõe — design focado, respostas sutis ao jogador e diálogos que valorizam exploração — vai encontrar algo bem feito.
No fim das contas, a discussão que Vávra provocou é útil. Obriga a indústria e a comunidade a pensar o que chamamos de “inovação” em RPGs: é necessariamente algo completamente novo, ou pode ser uma recombinação esperta de elementos antigos que muda como a experiência é vivida? Obsidian escolheu um caminho e mostrou que é possível iterar com qualidade. Resta aos jogadores (e aos críticos) decidir se isso é suficiente para chamar a nova geração de RPGs de verdadeiramente nova.