EA lança Skate 2025 em Early Access e transforma a série em live service

A FAQ oficial da EA sobre o novo Skate de 2025 deixa claro o que essa iteração de early access pretende ser: “Isto não é uma sequência, remake ou remaster. É a evolução da franquia Skate.” — EA, FAQ oficial de Skate. Concordo com a primeira parte: não é Skate 4 e definitivamente não é um remake dos clássicos. Concordo parcialmente com a segunda: é uma espécie de evolução — mas do tipo que te reposiciona no ecossistema dos jogos como serviço, e não necessariamente para melhor. Antes de entrar nas críticas pesadas, vamos separar o que funciona do que ferrou a experiência. Sim, há méritos técnicos aqui; o problema é que são pequenos pontos brilhantes em meio a um produto que, em muitos aspectos, perdeu a alma do que me fazia voltar para os jogos originais.

O som é um destaque técnico legítimo. A captura das nuances do skate — o chiado das rodas, o atrito da madeira em superfícies variadas, o tilintar do metal — está muito bem feita. Em termos de mixagem e design de som, nota-se cuidado com camadas: camadas altas para o estalo seco do ollie, camadas médias para o ronco das rodas em decks diferentes, e reverbs sutis para criar a sensação de espaço urbano. Em sessões de flow, a trilha sônica ambiental e os efeitos formam um padrão quase meditativo que ajuda a manter a continuidade de movimentos. Os efeitos sonoros são um primor técnico: fazem o skate soar e sentir-se real, mesmo quando o resto do jogo insiste em parecer um produto genérico. Isso não salva tudo, mas é uma base sólida.

No controle, Skate ainda tem algo que poucos tentam imitar: a combinação de simplicidade aparente com profundidade real. Botão analógico direito para truques, esquerdo para direção, gatilhos para grabs e uma mecânica de grind que depende de como você alinha a linha — essa arquitetura de entrada é intuitiva, mas com camadas de técnica por baixo. Eu gosto da ergonomia que privilegia o polegar direito para criatividade e o esquerdo para estabilidade direcional; é um design que cavalga o limite entre acessibilidade e expressão de habilidade. Comparado a Tony Hawk (arcaico e divertido) e a precisão twin-stick de Session (simulador puro), Skate continua sendo meu meio-termo favorito.

Dito isso, a sensação não é idêntica aos jogos antigos. A virada parece mais rígida, com menos aquela inclinação orgânica que os veteranos valorizavam. O assist de grind está demasiado “pegajoso” por padrão, tornando certos encontros em rail uma sensação artificial de cola. Há travamentos nas transições de skating — perda inesperada de momentum ou “bog-downs” que parecem ligados à física integrada com sistemas de assistência. Estou testando as opções de pump para ver até que ponto dá para mitigar isso, mas ainda não achei uma configuração que me dê consistência absoluta. Skitching? Ausente. Truques clássicos faltando? Sim. Ainda assim, o núcleo do “buttery street skating” está lá, em essência. Isso faz com que a experiência na prancha seja familiar e imediata para quem jogou Skate 1-3, mas não é a mesma sensação refinada que guardo na memória.

Streaming the Cube

Tornar Skate um jogo exclusivamente online foi um erro de projeto enorme. No primeiro dia de early access fui desconectado no meio de um desafio e arremessado para o menu principal — e a mensagem de erro parecia uma piada pronta sobre a situação: “Algo deu errado.” Algo, de fato, deu errado — mas não no servidor naquele momento, e sim na decisão de jogar toda a identidade do título na roleta dos serviços online. Falhas de servidor e filas são esperadas em lançamentos multiplayer, ok; ainda assim, fazer os jogadores dependerem de servidores para acessar algo que historicamente viveu impecavelmente offline é um descompasso estratégico.

A comunidade já assimilou que jogos free-to-play vivem de servidor e microtransações, mas por que aplicar esse modelo a um jogo que construiu sua reputação em experiências solo ricas e memórias coletivas? O lado negativo disso é prático: enquanto espero na fila, passo um tempo jogando antigos Skates no meu Xbox via retrocompatibilidade — eles funcionam offline sem drama hoje, amanhã e daqui a 10 anos. É doloroso perceber que a “evolução” tem preço de disponibilidade: downtime, filas, e prioridade para eventos e monetização.

Essa obrigatoriedade do online também transforma cada sessão em potencial propaganda para itens cosméticos e consumíveis. Em pouco tempo a interface te manda para a loja; em menos tempo ainda, te induz a abrir caixas. O fluxo de jogo virou um fluxo de transações mascaradas de progressão — e isso interfere direto na sensação de jogar por puro prazer.

Personalidade cortada e a IA Vee

Um dos problemas que mais me incomoda é como o jogo dilui a personalidade que definia os Skates antigos. A humanização que vinha do elenco coadjuvante das campanhas originais — aquele cara do filming que gargalhava quando você usava o mesmo gap pela décima vez — foi substituída por… um app de IA chamado Vee. E Vee é, sem rodeios, horrível. A escrita é afetada, a entrega vocal tenta imitar entonações robotizadas de rede social e fracassa. O resultado é um personagem que parece uma sátira mal escrita de assistentes virtuais.

“Algorítmico!” — Vee. Sim, ela chega a comemorar seus truques assim. E pior: “A sua genitora disse para concluir esses objetivos?” — Vee (versão traduzida do comentário confuso que aparece como tentativa de piada). Essas falas são exemplos do que chamo de “AI slop” — um conteúdo superficial que parece ter sido gerado para tentar ser afável e falha por soar artificial e muitas vezes infantilizante.

A substituição da química humana por uma narrativa simpática demais para um público que cresceu com humores sarcásticos é uma escolha perniciosa. Quem lembra das cutscenes curtas e eficazes entre pros e o filmer nos jogos antigos sente falta do impacto emocional e do humor que fazia a progressão valer a pena. Vee não substitui isso; ela empobrece.

E por falar em proteção excessiva e censura, por que inventar uma explicação dentro do universo para que ninguém sofra dano real no jogo? ImpervaTEK — a solução corporativa dentro do lore que impede skaters de sofrerem ferimentos — é um exemplo claro de como decisões de design foram tomadas por medo de reação pública. Resultado: as tradicionais quedas com raio-x, ossos quebrando e efeitos sonoros de impacto sumiram. Isso, para mim, dilui uma dimensão fundamental da franquia. Em Skate 2, a consequência visceral das quedas ajudava a criar emoção, stakes e comicidade física. Meus filhos riam até chorar quando caíam e viam os esqueletos se desmontarem; isso fazia parte do charme irreverente da série. Em 2025, o jogo parece tratar o jogador como criança frágil.

Estética: plasticidade e o vazio urbano

O salto artístico para um visual estilizado, cartunesco e “clean” é desconcertante. Os modelos parecem simpáticos na foto, mas em jogo viram figuras de plástico com barbas modeladas, calças grossas e expressões suaves demais para um universo que deveria cheirar a asfalto, grafite e sujeira. A estética é segura, quase “Sims”, e falta textura — literalmente. Em várias situações encontrei superfícies sem textura ou com glitches onde o asfalto vira um plano preto uniforme. Isso quebra imersão e levanta questões sobre QA em early access.

A população online agrava a experiência: avatares teleportando, stuttering visível, clipping constante — às vezes é impossível distinguir onde termina meu personagem e começa outro. Pior ainda, jogadores aparecem empilhados no mesmo local como se fosse um bug de spawn coletivo. Em termos de design de redes e otimização de rede, isso é um problema gritante: o cliente parece priorizar sincronização cosmética em vez da fluidez do skate multiplayer.

O mapa, San Vansterdam, é um projeto curioso que busca um meio termo entre cidade e skatepark permanente. Mas o balanço está errado. Em vez das ruas que parecem ter sido adaptadas para skate (como em Skate 2), cada canto virou área de skate por design: igreja? skatepark. topo do prédio? skatepark. Isso elimina a sensação de descoberta e recompensa por encontrar linhas escondidas. Não há drop de barragem, quedas históricas ou descidas zoadas que te prendam e te façam mapear mentalmente um trajeto épico. Em 10 minutos você atravessa o centro; a cidade não tem camadas. É como se tivessem pegado um nível do Tony Hawk e o transformado em cidade.

Trilha sonora, campanha e o vazio de conteúdo

A curadoria musical tem cerca de 100 faixas, mas é estranhamente jovem: quase 70 são de 2024-2025 e apenas um punhado vem do século XX. Para uma franquia cujo público inicial tem uma relação afetiva com faixas dos anos 90 e 2000, isso parece um off-target editorial. As escolhas musicais refletem uma tentativa óbvia de soar “atual” em vez de honrar a identidade sonora que acompanhou os Skates antigos.

A campanha, no estado atual, funciona como um tutorial longo misturado com um treadmill de live service. Muitas das “tours” são lições vestidas de missão, e o ritmo é deliberadamente lento porque o desbloqueio depende de completar objetivos diários/semanais. A prática de refazer objetivos semelhantes já virou rotina: completei um objetivo de manuals e horas depois estava em outra missão que, irônicamente, reexplicava como fazer manuals. Como isso é aceitável em 2025? É uma falha de design de progressão.

Modos clássicos que definiram a franquia também estão ausentes: competições, death races, S.K.A.T.E., ensaios para capas de revista, desafios de patrocínio — tudo sumido do pacote inicial. No lugar, coleções de tarefas e “colecionáveis” flutuantes (pontos, rolamentos, feijões estranhos) que soam como mecânicas de mobile. O resultado: sensação de que o jogo é uma ponte entre a jogabilidade e a loja.

E falando na loja: a economia do jogo é descaradamente projetada para empurrar microtransações. A mecânica é clara: você precisa de reputação para desbloquear zonas e progressão, reputação que pode ser obtida abrindo caixas que contêm reputação adicional. A consequência prática é que você se vê forçado a consumir conteúdo de azar para manter progresso confortável. As caixas têm animações unskipáveis de “Parabéns!” pensadas para gatilhar o mesmo mecanismo psicológico das máquinas caça-níqueis. Transformar o loop de progressão em uma máquina de abrir caixas é anti-jogo: faz do conteúdo uma recompensa condicionada a um sistema de apostas e impulsos.

Os preços também são deliberadamente confusos: pacotes de itens custam 1600 Skate-bucks quando a loja só vende incrementos de 500 e 1050 — o design empurra o jogador a comprar mais do que precisa. Isso não é acidente; é prática comum em monetização predatória. Se o objetivo fosse servir os jogadores, os incrementos seriam lógicos e as caixas completamente opcionais para progressão.

Ausência de pros e nostalgia descartada

Não espere encontrar os pro skaters clássicos no lançamento. Aquela montagem de abertura com pros conhecidos e situações estranhas foi varrida. O que era tradição nos títulos originais — pros com personalidade que interagiam com você nos tutoriais e desafios — parece ter sido considerada dispensável para este reboot. Pode ser que os pros cheguem como conteúdo sazonal em futuras atualizações; em um modelo live service, isso é possível. Mas a grande perda é de caráter: os diálogos curtos com pros eram pequenas joias que davam contexto e humor. Trocar tudo por um fluxo de missões frias e uma IA sem tato é uma decisão narrativa lamentável.

O que poderia ser feito

Se eu pudesse mudar algumas coisas amanhã (e estou sendo técnico, não nostálgico), começaria por três prioridades: apoio a modo offline, revisão urgente da economia e ajuste tonal do roteiro e personagens.

– Modo offline: permita que o jogo seja jogado completamente offline com salvamento local. Isso preserva a longevidade do conteúdo e evita depender de servidores para acessar algo que deveria ser atemporal.
– Economia limpa: remova a obrigatoriedade de abrir caixas para avançar na reputação e corrija faixas de preço para que bundles façam sentido sem forçar compra extra. Rebata a psicologia de cassino nas animações e torne cada compra claramente opcional.
– Roteiro e personagens: substitua Vee por um filme curto com um filmer humano, ou ao menos torne Vee mais sarcástica e menos corporativa. Reintroduza consequências visuais físicas para quedas; narração sem stakes é entediante.

Pergunta retórica: por que fazer um jogo sobre uma subcultura urbana e depois polir sua aresta até o torná-lo sanitizado? A resposta é: mercado. Mas mercado não precisa significar apagar toda a identidade.

A meu ver, Skate 2025 é um híbrido mal calibrado: tecnicamente competente em alguns aspectos (som, arquitetura de controles), mas comercialmente otimizado ao custo da personalidade e do design de mundo. Ele tenta ser moderno e inclusivo, mas erra ao confundir segurança com mediocridade. É um jogo que foi “evoluído” para caber em modelos de negócios contemporâneos, e não necessariamente para evoluir a experiência de skate em si.

No fim das contas, ainda jogo e exploro — parte do meu trabalho é entender tendências e dissecar mecânicas — e há momentos de satisfação genuína quando uma linha de manobras encaixa e o áudio faz sentido. Mas esses momentos são pontuais e muitas vezes interrompidos por filas, bugs e telas que te convidam a gastar. Os clássicos do catálogo antigo ainda me dão mais prazer por causarem menos atritos e por serem jogáveis offline, sem correntes comerciais estendidas por toda a experiência.

E então: vale a pena experimentar Skate 2025 agora? Sim, se você quer ver como a franquia tenta se adaptar ao modelo live service e apreciar um design de som excelente. Não, se você procura a alma e a liberdade que fizeram Skate 1–3 especiais — especialmente se a sua paciência para monetização agressiva e diálogos de IA é limitada. A evolução está ali, mas parece ter passado por um filtro que removeu muito do que me fazia voltar ao jogo. O que sobra é tecnicamente sólido em fragmentos, mas psicologicamente diluído, e isso é um problema quando o que você quer é skate com garra.