Ao longo das últimas décadas, o futebol pouco mudou na essência: bola no pé, espaço, criatividade e colocar a bola no gol mais vezes que o adversário. Então como um simulador anual como EA Sports FC consegue evoluir quando o esporte real não vira de cabeça para baixo todo ano? Para mim, a resposta está nas melhorias práticas — os ajustes que você sente jogando, não necessariamente no que aparece nos trailers. FC 26 entrega isso: não é revolução, mas acumula mudanças úteis que, somadas, melhoram a experiência em quase todos os cantos. Alguns problemas antigos voltam — troca de jogador confusa, animações estranhas em carrinhos — mas a sensação geral é de progresso incremental bem-vindo.
Dois modos de jogo, dois objetivos
A mudança mais saliente é a separação de presets de gameplay em Competitive e Authentic. Isso pode parecer óbvio, mas é uma diferença estrutural importante: antes, ajustes para competir online acabavam afetando quem jogava contra CPU buscando realismo. Agora, são duas linhas de código separadas. No preset Competitive você encontra aquela resposta rápida, inteligência artificial mais agressiva e ritmo alto que a comunidade online conquistou. Já o preset Authentic tenta traduzir o que você vê na TV: jogadores mais cadenciados, necessidade de posicionamento tático e alternância de ritmo mais orgânica.
A vantagem técnica é clara: EA pode balancear cada preset sem comprometer o outro. Resultado prático? Jogadores de carreira que buscam simulações realistas não precisam abrir mão da competitividade justa do Ultimate Team — ou deveriam não precisar, já que há um porém importante. O preset Authentic está limitado a modos offline. Sim: você não pode usar Authentic em Squad Battles, o único conteúdo single-player dentro do Ultimate Team. Estranho, né? Isso limita a proposta de entregar realismo a quem joga solo dentro do modo mais monetizado do jogo. Espero que liberem isso em um patch; é uma limitação que mina um pouco a lógica por trás dos presets.
Separar Competitive e Authentic é o tipo de decisão técnica que melhora gameplay sem reinventar a roda — e finalmente dá opções claras para públicos diferentes.
O que ainda incomoda — e o que voltou do FC 25
Nem tudo é flores. No nível micro, há problemas persistentes: troca de jogador confusa em momentos de pressão continua, animações de tackle que parecem erráticas e defesa que ainda não transmite a sensação de precisão que esperamos de um simulador de futebol moderno. Lembra do FC IQ e dos novos roles de jogador? Conceitualmente, são adições promissoras, mas no meu tempo de jogo as mudanças não ampliaram tanto a profundidade prática quanto o hype prometia. Ainda há uma sensação de “tudo está lá, mas não conversa perfeitamente entre si”.
“Para o principal simulador de futebol, EA Sports FC 25 continuou a faltar fluidez, polimento e empolgação que se esperaria. Introduz algumas novidades interessantes, especialmente o modo Rush, mas o restante do pacote fica cansativamente familiar. Apesar dos gráficos brilharem, a interface inspirada em touchscreen prejudica modos como Carreira. A defesa continua solta e pouco responsiva e, apesar de FC IQ e novos papéis inicialmente impressionarem, essas mudanças não acrescentam a profundidade esperada. Mesmo com conteúdo envolvente, a EA jogou pelo seguro demais.” — Robert Anderson, 26 de setembro de 2024
Isso resume parte da sensação de que a base técnica ainda precisa de refinamento. A boa notícia é que FC 26, no meu primeiro mês de testes, corrige muita coisa pela via das pequenas intervenções: ajustes de animação, tweaks na IA de companheiros e mudanças de ritmo em situações específicas. São “fitas” que consertam rachaduras, não reconstruções totais.
Season Pass: o problema que ofusca boas ideias
Se há um ponto que me deixa realmente irritado, é o Season Pass. EA já testou a ideia no final do ciclo de FC 25, então não é surpresa total vê-lo desde o day one, mas isso não reduz o incômodo. Você pode ignorar e usar a versão gratuita, ou ganhar XP suficiente para comprar sem gastar dinheiro real — teoricamente. Na prática, a estrutura do passe expande monetização para modos que antes eram sagrados.
O que me deixa mais desconfortável é a decisão de travar Icons e Heroes no Manager Mode por trás do passe. Pela primeira vez é possível colocar lendas como Luis Figo, Toni Kroos e Julie Foudy no seu save de treinador, algo com enorme potencial narrativo e de entretenimento. Em vez de ser uma celebração, virou mais uma porta com senha. Provavelmente você não vai conseguir XP suficiente jogando apenas Carreira; será empurrado para modos de card opening e grind em UT para completar o passe. Isso cheira a um incentivo claro para gastar dinheiro ou partir pro microspending.
E o pior: a monetização agora invade a Carreira — um modo que historicamente era o refúgio dos jogadores offline contra essas práticas.
Se cobrirem mais ícones em passes futuros, quem garante que Ronaldinho, Ruud Gullit ou Johan Cruyff não caiam num passe subsequente? A curva lógica aqui é perigosa: se monetizar Icons agora é “válido”, por que não repetir até esgotar a lista de nomes desejáveis?
Também tem a questão da aquisição cruzada: jogadores de carreira dificilmente acumulam a moeda de Ultimate Team suficiente para comprar o passe jogando apenas o modo carreira. Ou seja, a decisão de bloquear conteúdo criado originalmente para Carreira acaba pressionando todo o jogador a entrar no ecossistema mais lucrativo da EA. Isso muda a experiência do jogo offline para pior — e cria fricção onde antes havia pura diversão tática.
Modos e ajustes que merecem destaque
Nem tudo é toxina. Manager Live Hub é uma adição bem pensada: desafios rotativos, objetivos temáticos e recompensas estéticas dão propósito além da temporada padrão. É o tipo de conteúdo que aumenta o replay e cria narrativas curtas e intensas — estilo “recrie o gol do Musiala” ou “leve um clube mediano à glória continental”. Dá para ver aqui uma rota de evolução até algo mais ambicioso, como os modos históricos que vemos em outros esportes.
Ultimate Team também recebeu melhorias pontuais: retorno de torneios, escolhas de cosméticos para evoluções e uma desaceleração da curva de poder que promete evitar pulos meteóricos de habilidade. Ainda preciso ver o comportamento a longo prazo e a estabilidade dos servidores quando a massa chegar, mas o desenho inicial é coerente com pedidos antigos da comunidade.
Clubs ganhou o sistema de Archetypes, que é interessante do ponto de vista de progressão de grupo. Em vez de árvores de habilidades opacas, Archetypes dão identidade ao progresso: seu time vai saber se é um grupo de contra-ataque, posse ou pressão alta e ganhará ferramentas específicas para isso. Isso cria metas coletivas claras — um ganho para quem tem grupo fixo. A pergunta que fica: como isso vai se traduzir em metagame competitivo? Vamos ver nas próximas semanas.
Técnica e performance também merecem nota: jogando em PC e Xbox Series X, os gráficos continuam muito bons no gramado; iluminação, modelos de jogador e expressões capturam bem a sensação de broadcast. O motor de animação parece mais consistente em transições que causavam dips em framerate nos anos anteriores, mas ainda há situações — entradas ríspidas, quedas e colisões — onde a física parece falseada por decisões de animação. Pequenos patches costumam corrigir isso, então é uma área que sempre vale acompanhar.
E quanto à IA defensiva? Ainda sinto momentos de resposta lenta e linhas de defesa que não respeitam a lógica posicional. A implementação de roles e FC IQ tenta corrigir isso com parâmetros mais ricos para cada jogador, mas a execução ainda oscila. Em sessões offline, Authentic ajuda bastante nesse sentido porque a IA defende com mais paciência — o que prova que o problema era, em parte, um tuning de parâmetro, não falta de tecnologia.
Você concorda com essas mudanças? Até que ponto pagar por conteúdo altera sua relação com o jogo?
“As pequenas mudanças importam — algumas são suficientes para deixar o produto mais próximo do que jogadores competitivos e de carreira pediam. Mas quando a monetização avança em territórios antes reservados, a experiência perde parte da sua alma.” — comentário geral de fãs e criadores na comunidade
No fim, FC 26 entrega a sensação de que a equipe técnica está priorizando estabilidade e jogabilidade mais do que inventar mecânicas radicais. Isso agrada quem joga muito e quer que cada partida pareça justa e previsível em termos de regras internas.
Para fechar, FC 26 me deixa com sentimentos mistos: por um lado, é o primeiro passo real em anos para dividir públicos e afinar experiências; por outro, é o mais ambicioso nessa consolidação de microtransações para modos que historicamente eram menos afetados. Se você prefere competição online com resposta imediata, escolha Competitive. Se quer direção tática, cadência e paciência, Authentic é o caminho — desde que você jogue offline. No nível de experiência, as melhorias de qualidade de vida fazem o jogo mais agradável e recompensador no curto prazo, mas a expansão da monetização levanta uma questão ética sobre o rumo da franquia. E aí, vale trocar parte da integridade do modo Carreira por uma economia que aumenta a receita do jogo? Para mim, a resposta ainda é um “depende” bem desconfortável.