Final Fantasy Tactics remaster 2025 melhora dublagem e interface mas ainda oscila no final

No meu primeiro dia de trabalho na IGN, em 2018, me fizeram uma pergunta direta: “Qual é o seu videogame favorito de todos os tempos?”. Minha resposta então é a mesma de hoje: Final Fantasy Tactics. Esse amor vem da primeira vez que joguei no PlayStation original nos anos 90 — o sistema de jobs, o elenco memorável e uma história que não dá respostas fáceis me fisgaram na hora. Em 2025, com remakes e remasters pipocando, era natural esperar uma versão digna do clássico. Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles entrega isso? Com alguns reparos, a resposta é sim. Vou destrinchar o que mudou, o que foi corrigido e o que ainda dá dor de cabeça para quem quer revisitar Ivalice com seriedade.

Por que Tactics ainda segura a barra

Mesmo depois de mais de duas décadas de evolução nos RPGs táticos, o Tactics original continua relevante. A história, narrada por um historiador anos no futuro, começa com um impacto forte: você descobre que Ramza será lembrado como criminoso odiado, enquanto um colega de armas vira lenda — e nem tudo é o que parece. O enredo se expande para conspirações, traições, críticas a sistemas de castas e ameaças sobrenaturais, mantendo Ramza como o eixo moral com os pés em dois mundos. Não espere um final limpo; Tactics é desconfortável e propositalmente cru sobre as consequências da guerra.

A jogabilidade também envelheceu bem. O jogo concentra muito poder em unidades individuais mais do que em sinergias de grupo, mas a liberdade de customização é enorme. São 20 jobs, cada um com habilidades de ação, reação, suporte e movimento. O que torna o sistema implacável e brilhante ao mesmo tempo é a possibilidade de mixar tudo depois que as habilidades são aprendidas. Quer um Monge que dual-wield socos (graças ao Ninja), ignore elevação de terreno (graças ao Dragoon) e pule 30 pés no ar pra nocautear um inimigo distante? Vai fundo. A criatividade do jogador é a chave, e a satisfação vem do feedback constante de progressão por ação executada — cada golpe, cura ou buff conta.

Um colega da IGN: “Qual seu jogo favorito de todos os tempos?” ficou ali na minha memória, mas o que importa é isso: Tactics ainda provoca aquele vício saudável de montar builds absurdas e ver o plano se concretizar no campo de batalha. Não é sempre questão de dificuldade; é questão de recompensa pela curva de aprendizado.

Sistema de jobs e a sensação de progresso

O que faz o job system do Tactics ser tão especial? Primeiro, a granularidade: você ganha pontos por ação, não apenas por vencer batalhas. Isso significa que você decide como quer evoluir uma unidade — varre mapas inteiros para evoluir várias classes ou fica horas em um único mapa para dominar uma job específica. Essa escolha estratégica sobre como gastar seu tempo é parte do DNA do jogo. Subir de nível em Tactics é uma sensação quase instantânea: cada ação dá retorno perceptível e te deixa motivado a dar “só mais um turno”.

As pré-requisitos para aprender certas jobs e habilidades são intensos; isso é proposital. O jogo permite combos absurdos no final da campanha — e muitos desses combos nascem de planejamento e dedicação. Classes como Geomancer (que usa o terreno para ataques à distância) e Arithmetician (que replica magias sem custo de MP com base em multiplicadores de atributos) transformam a arena em um tabuleiro onde posicionamento e cálculo são tão cruciais quanto força bruta. O resultado pode ser extremamente quebrado quando você alcança as sinergias certas, e isso é parte do charme: o jogo recompensa o jogador que entende e domina suas leis internas.

Lucas Amaral: “Se você se dedicar, pode criar personagens realmente quebrados.” Essa declaração resume a sensação: há espaço para otimização extrema, mas também para jogar “na raça” com Ramza e alguns chocobos se você preferir.

Além disso, o pacing da progressão é acertado: o “carrot-on-a-stick” do próximo job ou da próxima habilidade mantém você engajado. Você tem metas curtas e alcançáveis mesmo em campanhas longas. Comparado a outros RPGs de jobs modernos, a sensação de avanço aqui é uma das melhores — e, honestamente, fora Xenoblade Chronicles 3 eu não lembro de muitos sistemas que entreguem esse equilíbrio tão bem.

Batalhas finais e o equilíbrio que oscila

Se você já jogou o Tactics original, lembra que o late-game era… maluco. The Ivalice Chronicles mantém esse espírito. Conforme a história avança, as batalhas mudam de “guerra de unidades” para confrontos onde técnicas de instant-kill, magias de limpeza de tela e summons devastadores entram em cena. E como muitas missões finais exigem simplesmente derrotar um personagem específico para vencer, o peso de uma única unidade bem construída cresce exponencialmente. Isso transforma o design em algo quase “boss rush” estratégico onde uma peça ruim pode arruinar toda sua estratégia.

Há personagens de final de jogo que são verdadeiros trios de ATM de destruição — você pode recrutá-los, e sua inclusão reduz drasticamente a dificuldade. Não é que o jogo te empurre para usá-los, mas é bem claro que eles existem para suavizar as curvas mais extremas. Se você escolher não usá-los, espere um desafio bem mais salgado.

Lucas Amaral: “A sensação de recompensa por dominar o sistema é essencial para aproveitar um job system desses.” E é justamente essa recompensa que compensa os picos de dificuldade. No entanto, quem busca uma experiência uniforme pode sentir que o balanceamento oscila demais no ato final.

Deep Dungeon (Midlight’s Deep) e conteúdo opcional

O Deep Dungeon — ou Midlight’s Deep na tradução — é o endgame opcional clássico: um calabouço com múltiplos andares, cheio de inimigos mais fortes que os que aparecem na campanha principal e com saídas escondidas. A proposta é excelente para quem gosta de aperfeiçoar builds e testar limites, mas a execução continua exigente: achar as saídas sem guia é trabalhoso e pune a progressão se você esbarrar em inimigos impossíveis antes de encontrar a escada. Em outras palavras, é um paraíso para speedrunners e players hardcore, e um sacrifício de tempo para jogadores casuais.

A inclusão desse tipo de conteúdo é uma faca de dois gumes. Por um lado, é ótimo ter um local onde você pode “farmar” níveis e habilidades sem se preocupar com a trama; por outro, pode ser chato quando o design do mapa exige exploração tediosa para progredir. Pra quem curte dominar cada mecânica? Perfeito. Pra quem quer uma experiência enxuta? Nem tanto.

O que saiu e o que ficou: conteúdo da War of the Lions

Curiosamente, The Ivalice Chronicles não traz todo o conteúdo extra que apareceu na versão PSP (The War of the Lions). Jobs adicionais, personagens extras e o multiplayer daquele port não estão aqui. Uma adição bacana — que eu curti bastante — foi o Balthier, de Final Fantasy XII, como membro recrutável. Essas conexões dentro do universo Ivalice são sempre um agrado para quem acompanha a série.

A boa notícia é que os cameos continuam e ganharam dublagem. A tradução melhorada da versão War of the Lions também é mantida, algo essencial considerando os problemas do passado. Sim, as cameos estão e soam ótimas com vozes — é uma atualização bem-vinda.

Visual e direção artística: nem HD-2D, mas funciona

Minha preferência pessoal: eu queria um remake em HD-2D no estilo Octopath Traveler. Não aconteceu. Em vez disso, temos uma roupagem visual que preserva a estética isométrica retro, mas com assets de alta resolução e um efeito de textura que lembra uma tela texturizada — quase como se estivéssemos jogando wargames com miniaturas num diorama digital. Inicialmente eu estranhei; via vídeos parecia um filtro suave por cima do original. Jogando pessoalmente, porém, a leitura melhora muito: iluminação quente, tilt-shift em cenas selecionadas e um “toque de miniatura” que funciona bem em telas grandes.

Se isso vai agradar os puristas? Depende. A versão original está inclusa no pacote para os saudosistas, mas funciona como um jogo separado — você não troca entre versões sem salvar de novo, e não há transferência de saves. Isso é compreensível, mas significa que entrar na versão clássica te priva de muitas melhorias modernas, como vozes e melhorias de interface.

Interface e qualidade de vida: o grande diferencial

Aqui mora o maior ganho da remasterização. The Ivalice Chronicles não reinventou o jogo, mas reconfigurou ferramentas essenciais para a vida moderna do jogador. A interface foi refeita para TVs e monitores atuais e coloca informações vitais à frente: uma lista de turno dinâmica, Job Points exibidos claramente, barras de vida e nomes opcionais. O jogo também traz opções de retry rápido, reconfigurar a party antes de voltar à batalha e carregar saves direto do menu de pausa — pequenas coisas que, somadas, economizam horas de frustração.

Você pode segurar L2 e navegar pela ordem de ações para ver o que cada inimigo vai fazer — um recurso que salva vidas em batalhas com magias de área. Movimentos podem ser resetados se nada foi confirmado, o que evita aquela sensação de “puxa, perdi o turno por apertar o botão errado”. O deploy inicial agora ocorre no próprio mapa, então você pode planejar posicionamento com precisão em vez de depender de uma tela abstrata.

As melhorias de usabilidade fazem com que o jogo pareça menos um relicário e mais um clássico polido para o século XXI. A lista de pequenas mudanças é extensa: guias rápidos de jobs com atributos que escalam, árvore de jobs visível com pré-requisitos, tooltips explicativos, combat sets para trocar composições em segundos, e a capacidade de evitar encontros aleatórios no mapa ou, inversamente, ativá-los sob demanda. Essas alterações não só preservam o design original como o potencializam — você gasta menos tempo brigando com menus e mais tempo planejando táticas.

Dublagem: emoção que antes só existia no texto

Uma das adições que mais impactam é a dublagem completa — não apenas nas cutscenes, mas também em gritos de batalha, comentários de ação e falas ao dispensar unidades. A maioria das vozes está muito bem escolhida: plebeus com sotaque cockney, nobres com um tom mais pomposo, e momentos de dor e raiva que agora chegam com um peso emocional que o texto antes não tinha. Algumas mortes soam cruas e desconfortáveis — o que é, em certa medida, o objetivo do jogo: lembrar que nossas peças são pessoas.

Rapha é um exemplo clássico de personagem que ganha com a dublagem. Antes eu a via como um enredo trágico pouco impactante. Agora, ao ouvir sua dor e raiva, sua presença se amplia e os relacionamentos com outros personagens ficam mais palpáveis. A dublagem elevou a interpretação de muitos personagens secundários.

Um ponto técnico importante: a trilha de vozes em japonês frequentemente traz um tom diferente da versão em inglês. O registro emocional do japonês tende a ser mais tenso; o inglês pode soar mais comedido. Você prefere emoção mais crua ou atuações mais contidas? A escolha está aí no menu de idioma.

Lucas Amaral: “A tradução melhorada e as vozes mudam a percepção de personagens que antes pareciam rasos.”

Conteúdo narrativo e ferramentas de suporte

O enredo de Tactics tem muitas camadas e uma infinidade de personagens com agendas cruzadas. Isso pode ser confuso, especialmente para quem entra no jogo sem uma memória fresca. The Ivalice Chronicles adiciona ferramentas que ajudam demais: o State of the Realm — um timeline interativo que mostra os principais atores e eventos conforme você avança — é uma mão na roda. Junta isso com uma enciclopédia completa, lista de cutscenes com opção de reassistir e abas para termos, colecionáveis e dicas — tudo para evitar que você perca contexto.

As antigas telas de tutorial que pareciam saídas de um FAQ em ASCII foram refeitas com linguagem clara e layout amigável. Um exemplo prático: o diagrama de compatibilidade zodiacal, que antes parecia um quebra-cabeça escondido, agora é explicado em abas e texto simples. As quests cruzadas do capítulo final, notoriamente obscuras, passaram a ter marcadores que indicam destinos importantes — isso não tira o desafio das batalhas, mas economiza tempo e frustração na busca por onde ir a seguir.

O que ainda incomoda

Nem tudo foi perfeito. As swings de balance na parte final continuam — algumas lutas dependem demais de builds absurdas ou de personagens late-game para se tornarem trivialmente fáceis. A presença de opções quebradas no fim é tanto bênção quanto maldição: dão possibilidades incríveis, mas também criam uma linha tênue entre desafio e easy mode.

Outro ponto é a decisão de manter as duas versões separadas — clássico e remaster — sem compartilhamento de save. Entendo a preservação de legado, mas isso força o jogador a escolher entre nostalgia pura e conveniência moderna. Trocar entre os dois deveria ser mais fluido, como em coleções modernas de clássicos.

Além disso, alguns diálogos adicionados com a dublagem soam mais genéricos do que reveladores — muita “filosofia de poder” falada sem acrescentar informação concreta sobre personagens. Há pérolas de diálogo que enriquecem as relações, mas o volume delas é pequeno diante de conversas mais vazias que só aumentam o ruído nas batalhas.

Experiência geral e replayability

The Ivalice Chronicles brilha quando permite que você experimente. O novo sistema de dificuldades (três opções) amplia a base de jogadores que podem aproveitar o título: eu joguei na dificuldade média e senti familiaridade com tweaks em stats e requisitos; agora estou re-jogando no hard e encontro o desafio que queria. A variedade de builds possíveis, combinada com a existência do Deep Dungeon, garante muita longevidade para quem gosta de otimizar.

A inclusão de ferramentas de tutorial, UI modernizada e dublagem posiciona esta versão como a melhor forma de começar para novos jogadores, enquanto o clássico original continua disponível para puristas. Para fãs que querem apenas revisitar Ivalice com menos fricção, a remasterização é provavelmente o caminho ideal.

Lucas Amaral: “As mudanças parecem ter limpado as teias de aranha, revelando o carro bonito que sempre esteve ali.” Essa analogia resume meu sentimento: não transformaram o carro, só o poliram e ajustaram o motor.

Para quem vem de shooters competitivos ou BRs e espera uma precisão técnica, Tactics exige paciência, cálculo e entendimento de probabilidades — mas recompensa muito bem esse investimento. Você gosta de planejar cada passo com a mesma obsessão com que ajustaria a sensibilidade de um mouse? Aqui há alimento para esse perfil.

No que tange performance, a versão moderna se comporta bem em consoles e PC, sem as quedas e travamentos que marcavam ports anteriores. A responsividade dos menus e tempo de loading curtos justificam o investimento, especialmente em um jogo longo em que pequenas ineficiências se somam.

Finalizando — mas sem encerrar a discussão — The Ivalice Chronicles é, em muitos sentidos, a edição definitiva do clássico para 2025: preserva a essência, corrige os maiores problemas de usabilidade e adiciona camadas de imersão com vozes e timeline interativa. Ainda há escolhas questionáveis (balance final, ausência de tudo que a versão PSP trouxe) e a separação entre clássico e remaster incomoda, mas no balanço geral o trabalho foi bem feito.

Se você ainda não voltou a Ivalice, esta é a hora. Quer reviver as primeiras horas de maravilhamento que teve nos anos 90, com menos fricção e mais emoção? Ou prefere redescobrir o quão profundo e viciante um sistema de jobs pode ser? Em qualquer caso, você encontrará um jogo que respeita seu legado e que, com pequenas concessões, se adapta ao jogador moderno.