Game Pass foi de US$17 a US$30 em 14 meses e mancha legado do Xbox

Phil Spencer inovou no Xbox com retrocompatibilidade e Game Pass, mas aumentos de preço e cortes internos elevam a barreira de entrada, prejudicando a acessibilidade ao jogador.

Phil Spencer passou mais de uma década no comando do Xbox — agora oficialmente CEO da Microsoft Gaming — e, até bem recentemente, dava para argumentar que o foco era realmente no jogador. Ele desamarrou o Kinect do Xbox One, eliminando um peso de US$100 sobre a plataforma; empurrou a retrocompatibilidade para a linha, que hoje é um diferencial real; implementou o FPS Boost no Series que melhora desempenho e taxa de quadros em títulos antigos; forçou a normalização do cross-play; e o Xbox One X entregou 4K nativo quando a concorrência ainda brincava de upscaling. Também houve passos importantes em inclusão: o Xbox Adaptive Controller e recursos de ASL em jogos first-party. E, claro, o Game Pass virou o serviço que mudou a forma como muita gente consome jogos — incrível em valor, polêmico em economia. Mas tudo isso parece estar sendo corroído por decisões internas que minam a boa vontade conquistada.

O que deu certo (até dar errado)

Na prática, as iniciativas técnicas e de design social do Spencer foram sólidas. Backwards compatibility + FPS Boost = vida útil estendida para bibliotecas antigas, com ganhos reais de performance em motores legados. A aposta no 4K nativo do One X mostrou que a Microsoft sabia priorizar hardware robusto em vez de artifícios de marketing. E o suporte contínuo a recursos de acessibilidade mudou experiências de jogo para muita gente — não é só discurso, é impacto real.

Mas aí vem a contradição. Em outubro a Microsoft tinha potencial para dar ao Xbox um mês de marketing e adoção fenomenais: três lançamentos first-party com promessa real de qualidade — Ninja Gaiden 4 (revivendo uma franquia de ação rápida), Keeper da Double Fine (após o sucesso de Psychonauts 2) e The Outer Worlds 2 da Obsidian. Todos caem direto no Game Pass no dia 1. E aí entra o nó: para ter esses “benefícios” day-one agora é preciso pagar muito mais.

“Para ser justo com a Microsoft, a empresa adicionou mais ao Ultimate: Ubisoft+ Classics, Fortnite Crew e streaming em nuvem com maior resolução. Também vale lembrar que vários candidatos a Jogo do Ano chegaram ao Game Pass Ultimate no dia um: Clair Obscur: Expedition 33, Hollow Knight: Silksong e Blue Prince.” – Ryan McCaffrey

A conta chegou — e é salgada

Game Pass Ultimate passou de US$17 para US$30 em apenas 14 meses. PC Game Pass de US$12 para US$16,49. O Series X subiu de preço duas vezes em quatro meses e hoje ostenta etiqueta de US$800 nos EUA. E o novo ROG Xbox Ally X? US$999. Existe uma versão mais em conta por US$599, mas ninguém tem certeza do custo-benefício porque a mídia só acessou a versão mais potente. Parece exagero, não? Quem está pagando essa conta?

Game Pass Ultimate saiu de US$17 para US$30 em 14 meses — um aumento que muda toda a proposta de valor. A sensação entre muitos jogadores é de que aquilo que era uma solução para reduzir barreiras de entrada virou um produto cada vez mais premium. A Microsoft argumenta que adicionou valor ao pacote — e, tecnicamente, sim: integração com serviços, conteúdo adicional e melhorias no cloud gaming. Mas vale perguntar: até que ponto essas adições justificam quase dobrar o preço em pouco mais de um ano?

Do ponto de vista técnico e de mercado, há duas frentes de análise. Primeiro, os custos reais de desenvolvimento e operação aumentaram. Motores, arte, pipelines de produção e a própria infraestrutura de cloud exigem investimento. Segundo, a Microsoft acumulou um portfólio caro: cerca de US$80 bilhões em aquisições de estúdios e publishers, além de centenas de milhares de demissões de funcionários e fechamento de estúdios. Como se justifica isso para o consumidor?

A resposta simplista é: mercado. Sony, Nintendo e fabricantes de hardware também reajustaram preços em várias regiões. Mas a diferença é que a Microsoft tem um caixa bilionário — capital de mercado próximo a US$4 trilhões — e parece mais agressiva em monetizar o ecossistema. Quem ganha com essa estratégia? Acionistas e modelos financeiros que prevalecem sobre a experiência do jogador comum.

“O que é pior é que, no panorama maior, chegamos a um ponto triste onde jogar está ficando menos acessível para novos jogadores em vez de mais.” – Ryan McCaffrey

Esse trecho traduz bem a sensação coletiva: quando consoles e serviços sobem de preço enquanto o custo de vida também aumenta, a barreira de entrada fica mais alta. Tradicionalmente, ao longo de uma geração, hardware tende a ficar mais barato e catálogo fica mais robusto — mais jogadores entram no ecossistema, mais desenvolvedores investem. Mas se o hardware sobe de preço, assinatura fica mais cara e jogos first-party começam a subir também, estamos invertendo essa dinâmica natural.

Qual o impacto prático para quem joga competitivos e shooters como eu? Menos base instalada prejudica matchmaking, frustrando partidas ranqueadas e a saúde da comunidade. Preços mais altos reduzem taxa de adoção de hardware e serviços — e isso reverbera direto no suporte pós-lançamento, patches, servidores e esports. Faz sentido cobrar mais agora se isso risca o futuro mercado consumidor? Duvido.

No fim das contas, quem paga a conta não é o estúdio nem o acionista — é o jogador, novamente.

Analisando o ponto de vista técnico: a vantagem de ter day-one no Game Pass ainda existe e é enorme para o consumidor que já está no ecossistema. Economia imediata, acesso a vários títulos e a possibilidade de testar jogos sem comprar. Mas a sustentabilidade desse modelo depende de um equilíbrio econômico que, à vista das últimas mudanças de preço e das grandes aquisições, parece cada vez mais frágil.

E o que a Microsoft poderia fazer? Transparência sobre os números do Game Pass ajudaria. Mostrar como a receita é reinvestida em estúdios e infraestrutura, ou oferecer camadas mais modulares de assinatura onde o jogador escolha pagar só por day-one ou só por catálogo clássico, seriam opções. Também seria saudável conter reajustes tão frequentes e agressivos; a fidelidade do jogador costuma valer mais a longo prazo do que ganhos imediatos com aumento de preços.

A geração atual ainda não acabou. 2025 e 2026 prometem títulos fortes — Fable, Gears: E-Day, Forza Horizon 6 entre outros. Mas é legítimo perguntar: a que custo estão entregando isso? Nos recordes de hardware caro, serviços caros e cortes massivos de equipe, o legado desta geração pode acabar sendo lembrado tanto pela qualidade dos jogos quanto pela forma como a Microsoft priorizou lucro sobre acessibilidade.

No campo das mecânicas e do desempenho, as decisões técnicas da Microsoft continuam relevantes: retrocompatibilidade, otimizações de frame e trabalho em nuvem representam avanços concretos. A fricção está no preço de entrada no clube. E você, leitor: acha que a Microsoft ainda está colocando jogador em primeiro lugar ou a conta final mostra o contrário?