Nos bastidores do cenário competitivo de Counter-Strike 2, uma disputa por direitos de transmissão que vinha sendo costurada discretamente virou peste pública nesta semana. O confronto entre a Tribo — ligada a Alexandre “Gaules” Borba — e a MADHOUSE TV, braço da FURIA e do podcast Podpah, explodiu em farpas abertas durante transmissões da IEM Chengdu, expondo um mercado de direitos cada vez mais complexo e cheio de arestas. Mais do que um problema de ego, estamos diante de decisões comerciais e técnicas que afetam produção, exclusividade e, claro, o espectador. Quem ganha com isso?
A disputa pelos direitos: leilões, propostas e negações
O ponto de ignição foi um vídeo do youtuber e caster Nicolas “fkS” Lacheski, que afirmou que Gaules teria recusado negociar os direitos do StarLadder Budapest Major com a MADHOUSE TV — apesar de o streamer ter declarado publicamente interesse em dividir transmissões maiores. Gaules rebateu dizendo que a FURIA tentou negociar diretamente com a organizadora (StarLadder) antes de propor uma divisão com a Tribo, e que foi a partir da recusa da StarLadder que a conversa sobre rachar direitos com a Omelete/Tribo teria começado.
O que importa do ponto de vista técnico e comercial: direitos de transmissão não são só sobre quem fala mais alto no chat. Envolvem leilões, propostas formais, cláusulas de exclusividade, garantias financeiras e prazos rígidos. Em alguns casos, organizadoras abrem processos de leilão que indicam clara preferência por um único holder para evitar fragmentação de audiência e problemas com alternância de feeds. Quando múltiplos players começam a negociar ao mesmo tempo, o risco de pipocagem na negociação e perda de oportunidade cresce muito.
Gaules detalhou negociações específicas: cedeu os direitos da Esports World Cup à MADHOUSE TV; foi informado pela ESL de que os direitos da IEM Chengdu poderiam ser divididos; e teve negativas em várias outras frentes (FISSURE Playground 1 e 2, Thunderpick World Championship), às vezes apenas conseguindo transmitir via Kick pagando valores que classificou como “absurdos”. Esses relatos mostram como a cadeia de valor da transmissão pode ficar fragmentada — alternativa aqui, pagamento alto ali — e como a escalada de custos impacta estratégias de distribuição.
O embate público: acusações, vídeos e reputação
A resposta oficial da MADHOUSE TV veio por André Akkari, sócio da FURIA. Em vídeo publicado nas redes, Akkari disse que representou a MADHOUSE nas negociações, descreveu o processo de leilão da StarLadder e detalhou contatos com Lucas “Brexe” Pereira (diretor da Tribo) e Pierre Mantovani (CEO do Omelete). Alegou que, mesmo após uma conversa inicial para propor a divisão, a StarLadder comunicou que o estúdio não teria os direitos e que a Tribo havia sido escolhida como detentora.
As trocas foram claras e diretas. Gaules rebateu, questionando prazos e a formalização de propostas, e criticou a presença de fkS nas transmissões da MADHOUSE TV: “uma pessoa tóxica para o cenário inteiro, que ataca pessoas relevantes do cenário” – Gaules. Akkari, por sua vez, afirmou que Gaules tem usado lives para criar “paradas nocivas” e prometeu gravar um vídeo explicativo — o qual foi publicado com uma linha do tempo das negociações. “Como ele tem live para criar estas paradas nocivas” – André Akkari
No mesmo vídeo, Akkari elogiou a cobertura que Gaules fez da FURIA: “agradeço por toda a cobertura dada pelo Gaules para a FURIA, ele é genial no que faz” – André Akkari e ainda sinalizou que está disposto a seguir negociando com a Omelete. Gaules, por sua vez, pediu para ver a proposta formalizada sobre como dividir direitos. Esse ping-pong público tem impacto direto na percepção da comunidade e na confiança entre parceiros comerciais — algo que, no mercado de mídia esportiva, pesa tanto quanto números de audiência.
No curto prazo, a percepção pública pesa mais do que contratos bem redigidos; reputação influencia futuros acordos e parcerias.
Implicações práticas para produção e espectadores
Do ponto de vista técnico, a fragmentação de direitos cria problemas concretos: múltiplos estúdios com diferentes padrões de transmissão, overlay, produção de câmera, casters e até diferenças de tradução/legenda. Isso dilui a experiência do espectador e aumenta os custos operacionais para times e organizadores, que precisam coordenar feeds e garantir qualidade uniforme quando há co-transmissões. Além disso, quando direitos são negociados em categorias paralelas (seletivas, torneios menores, majors), temos janelas de exclusividade que deixam fãs sem acesso em plataformas tradicionais, forçando migrações para Kick, YouTube ou PPVs.
Há também um componente financeiro: valores “absurdos” citados por Gaules revelam uma inflação nos preços de sublicenciamento e aquisição de eventos, que pode transformar transmissões antes lucrativas em operações deficitárias. Para canais menores, isso significa menos margem para investir em produção; para grandes players, significa decidir entre monopólio de audiência ou modelos colaborativos que dividam custos e alcance.
Quem deveria se preocupar mais com essa guerra? Organizadores, que precisam manter a integridade comercial dos torneios; streamers e estúdios, que dependem de previsibilidade; e, claro, os espectadores, que podem ver suas opções reduzidas ou ter que pular entre várias plataformas para acompanhar tudo. Pergunto: vale a pena sacrificar alcance por controle total?
Contexto mais amplo: rivalidade que vem de outros campos
Esse conflito não nasceu do nada. Gaules e a FURIA têm uma relação complexa desde 2018, com atritos recentes vindos da Kings League — a liga de futebol 7 que uniu nomes do entretenimento e do esporte. Em abril houve um incidente físico entre membros das equipes que acabou em suspensão de profissionais, e desde então provocações e rivalidades evoluíram para um estado constante de atrito público.
Em transmissões recentes da Kings League, provocações entre presidentes viraram rotina, e comentários como o de Gaules sobre Lipão — “não era nem o melhor do time dele” — inflamaram ainda mais as tensões. Akkari respondeu chamando o comentário de “desrespeitoso e desnecessário”, e a rivalidade seguiu com provocações nas redes. Essas rusgas fora do CS ampliam a carga emocional das negociações de direitos: não é só contrato, é também guerra de imagem.
O histórico mostra que rivalidades multifacetadas tendem a transbordar para áreas colaterais. Quando há interdependência de negócios (por exemplo, transmissão de esports e participações em eventos de entretenimento), qualquer atrito vira problema estratégico.
Na prática, organizações e streamers precisam aprender a separar negócios de rivalidades pessoais. O mercado de transmissão exige clareza contratual e comunicações formalizadas. Propostas verbais ou conversas informais são terreno fértil para ruído.
No fim, quem perde mais com esses choques é o consumidor final: fragmentação, paywalls eventuais, qualidade desigual e menos competição saudável entre broadcasters. Para o mercado, entretanto, a boa notícia é que essa visibilidade pode forçar profissionalização nas negociações e maior transparência nas regras de leilão.
A briga entre Tribo e MADHOUSE expõe fragilidades de um ecossistema em transição — entre monetização de criadores, interesses de clubes e modelos tradicionais de mídia. Resta ver se as partes irão formalizar processos, criar cláusulas claras para co-transmissões e pensar no espectador como prioridade, ou se o conflito seguirá alimentando runs públicas e decisões de curto prazo. Você acha que o resultado dessa treta vai melhorar ou piorar a experiência de quem acompanha CS no Brasil?