A notícia de que Hollow Knight: Silksong vai sair em 4 de setembro de 2025, anunciada em um trailer há duas semanas, foi exatamente aquilo que os fãs esperavam — um momento de euforia depois de mais de seis anos de espera. Mas para desenvolvedores de cerca de dez outros jogos que já tinham planos de marketing para esse período, o dia foi um verdadeiro pesadelo logístico. Desde então a lista de adiamentos só cresceu: Demonschool, Aeterna Lucis, Little Witch in the Woods, CloverPit, Megabonk, Baby Steps, Faeland, Starbirds e Moros Protocol mudaram suas datas. Até Stomp and the Sword of Miracles, que mal tinha datas definidas, adiou sua campanha de Kickstarter e demo por causa do impacto de Silksong. Mas esperar um gigante se mover é sempre a melhor opção? Ou há cenários em que ficar no mesmo dia pode até ser vantajoso?
Por que adiar (ou não)?
Definir uma data de lançamento não é só escolher uma terça-feira aleatória — é um quebra-cabeça logístico e estratégico. Primeiro requisito: o jogo precisa estar pronto. Pronto não no sentido romântico, mas pronto para passar por processos como certificação em plataformas (Xbox, PlayStation, Steam), testes finais, e para o suporte imediato pós-lançamento. Você tem que considerar janelas de fim de semana, feriados, férias da equipe e até eventos pessoais dos desenvolvedores que podem impedir correções rápidas no primeiro dia. É surpreendente quantos lançamentos quebraram por causa de um desenvolvedor essencial entrando em licença no dia errado.
Além disso, há fatores externos: evitar grandes promoções sazonais da Steam, conversar com parceiros de plataforma para garantir que a data seja boa para eles, coordenar press releases, exibir material para criadores de conteúdo e planear redes sociais. Em produtoras com múltiplos jogos, também precisa garantir que os títulos não canibalizem um ao outro. Em resumo: escolher a data já custa tempo e dinheiro; mover tudo então parece um desperdício. E, muitas vezes, realmente é.
“A razão mais chata de todas é que cada dia que seu jogo está pronto para lançar e você não lança, ele está te custando dinheiro. O jogo está pronto. Você poderia estar gerando receita com ele… Se for a diferença entre sucesso e fracasso, claro que você deve adiar, mas quando não é o caso, você está apenas desperdiçando custos ao empurrar algo tipo três meses.” — Adam Lieb, CEO da Gamesight.
Esse argumento financeiro é objetivo: todo dia que você mantém um lançamento engavetado, há custos fixos rolando (servidores de teste, salários, contas, campanhas pagas engatilhadas) e há também custo de oportunidade — o jogo não está gerando receita e a equipe continua gastando recursos com suporte, atualizações e marketing pré-lançamento. Para estúdios independentes, onde o orçamento de marketing é limitado, cada dia conta.
Mas só custo não resume tudo. Existe uma lógica de mercado que diz que, às vezes, ficar pode ser estrategicamente melhor. Se o grande jogo que caiu no seu período é um título que pode aumentar o interesse no seu gênero, talvez você queira surfar essa onda. Pense: Silksong pode gerar uma enxurrada de jogadores com fome por plataforma metroidvanias; GTA 6 pode abrir gap para jogos de mundo aberto. A pergunta é: seu jogo fica no rastro do gigante ou fica enterrado por ele?
Quando ficar e quando sair de cena
Adam Lieb trabalha com dados de audiência e de comportamento de jogadores para recomendar quem deve lançar quando. Uma das coisas que ele olha é o que ele chama de “indexação”: quais jogos os jogadores costumam jogar juntos. Isso ajuda a identificar competição direta ou possíveis sinergias.
“Se você tem um plataforma indie, um ótimo momento para lançá-lo é duas a seis semanas depois de Silksong. Você provavelmente terá um público novo jogando aquele estilo agora, porque é um jogo enorme. As pessoas passam 20 a 40 horas no Silksong e vão procurar o próximo jogo para jogar. Então, se você tem um jogo no mesmo espaço, talvez você queira estar por perto no lançamento, até antes.” — Adam Lieb, CEO da Gamesight.
É uma visão contrária ao senso comum — em vez de fugir do lançamento do gigante, aproveite o pico de interesse no gênero. Esse tipo de “efeito caldo” já aconteceu antes: o lançamento de uma grande atualização de Halo beneficiou jogos parecidos, e o lançamento perto do remaster de Oblivion coincidiu com outro RPG que vendeu bem. Às vezes a atenção pelo gênero dilata e beneficia títulos adjacentes.
Mas há limites. Nem todo overlap é sinérgico. Se o conteúdo do gigante consome praticamente todo o tempo de jogo dos usuários (um MMO com economia persistente, por exemplo), ou se o monstro suga toda a atenção da mídia e criadores de conteúdo, então sua visibilidade poderá ficar próxima de zero. A decisão passa a ser um cálculo de risco: custo do adiamento versus perda de visibilidade e mercado.
“Você tem apenas tantas horas no dia e tantos criadores produzindo conteúdo. No dia que GTA sair, tudo que você vai ver são artigos sobre GTA porque é disso que as pessoas querem falar. Pode haver criadores que amem seu jogo e queiram jogá-lo no lançamento, mas muitos estarão atrelados ao monstro do momento.” — Adam Lieb, CEO da Gamesight.
Um ponto chave que Lieb destaca é a capacidade e o custo de reexecutar campanhas pagas. Muitas estratégias de marketing pagas estão calibradas para “jogar” em certos dias: banners, trailers, campanhas de influenciadores que já têm contratos e janelas. Mudar a data muitas vezes significa renegociar tudo e pagar de novo. Isso é ainda mais doloroso para indies que já estão em modo aperto com orçamento.
Histórias reais: adiar é trauma ou proteção?
No caso de Baby Steps, publicado pela Devolver Digital, a reação foi pragmática. Nigel Lowrie, cofundador da Devolver, entrou em 2025 preparado para adiar qualquer jogo se fosse necessário — GTA, em particular, parecia cegar todo o calendário antes de ser adiado para 2026. Quando o trailer de Silksong explodiu, Lowrie sentiu o impacto cultural: não era só um trailer, era um evento que mobilizou massa crítica de audiência.
“Silksong foi uma espécie de momento cultural. As pessoas gastam tanto tempo com o marketing quanto com o próprio jogo. Não estou dizendo que seja tão divertido quanto jogar, mas isso faz parte da experiência. Então você tem que ser sensível a isso quando um jogo atinge esse nível — as pessoas adoram falar sobre ele, além de jogar.” — Nigel Lowrie, cofundador da Devolver Digital.
Lowrie conversou com os desenvolvedores de Baby Steps — Gabe Cuzzillo, Maxi Boch e Bennett Foddy — e avaliaram os números de quem estava assistindo o trailer e quando. Havia centenas de milhares de pessoas esperando para ver o clipe — sinal de que o “ruído” era gigantesco. Decidiram mover Baby Steps. Lowrie reconhece críticas online de quem acha que ninguém deveria adiar: mas quando é a sua equipe, é diferente. Você não pode testar o mundo com A/B; a vida real não permite ensaios.
“Você não pode fazer A/B test na realidade. Talvez Baby Steps teria ido bem em 8 de setembro, mas estou disposto a arriscar o sustento dessa equipe por cinco anos por uma hipótese? Não.” — Nigel Lowrie, cofundador da Devolver Digital.
Essa postura revela algo essencial: para plataformas e equipes menores, a margem de erro é minúscula. Um lançamento enterrado pode comprometer a receita necessária para atualizações futuras, suporte e expansão. Há consequências reais para as pessoas envolvidas, não só para métricas de marketing.
O monstro absoluto: por que GTA 6 é outra história
Silksong é enorme; GTA 6, no entanto, vive em outro universo em termos de atenção, orçamento e impacto cultural. Lowrie descreve GTA como “AAAAA” — um nível acima do AAA, algo que monopoliza conversas globais. Adam Lieb também notou que GTA tem estado no centro de praticamente todas as conversas sobre janelas de lançamento.
“Eu diria que GTA nos últimos ano e meio esteve presente em quase toda conversa sobre datas de lançamento que ouvi.” — Adam Lieb, CEO da Gamesight.
O que torna GTA tão preocupante é sua amplitude: não compete só com jogos do mesmo gênero. Por causa de comunidades de roleplay, servidores customizados e subculturas geradas por criadores, GTA acaba competindo com jogos de praticamente qualquer seção do mercado. Isso cria uma sombra enorme até mesmo sobre gêneros que normalmente não se importariam em concorrer com um jogo de mundo aberto.
Outra característica perversa é a capacidade de GTA de dominar canais de mídia e criadores de conteúdo por semanas, senão meses. Quando um título tem eventos promocionais massivos, trailers episódicos e cobertura contínua, há poucas janelas de atenção sobrando para outros lançamentos. A mídia tem um orçamento limitado de tempo editorial; criadores têm slots limitados para lives; e o público tem horas limitadas para jogar. É uma luta por recursos de atenção.
GTA 6 é tão grande que pode afetar jogos que, à primeira vista, não têm nada a ver com ele. Isso força estúdios e publishers a serem proativos: evitar datas, adiar com antecedência, ou reforçar o plano de marketing para evitar sobreposição com os picos de cobertura do monstro.
Barbenheimer nos games? Vale tentar apostar na diferença?
Na indústria do cinema vimos o caso Barbenheimer — dois filmes opostos que geraram buzz simultâneo. Na teoria, um fenômeno assim nos jogos poderia ocorrer: dois lançamentos muito distintos que, juntos, amplificam a conversa cultural. Mas especialistas são céticos quanto à aplicabilidade nos games.
“Se você é chefe de marketing e precisa apresentar um slide dizendo que seu jogo vai lançar na mesma data do gigante, todo mundo vai achar que você é louco. Não que seja necessariamente ruim, é só um risco alto. E quando você erra, se todos os jornalistas só falam do gigante, ninguém escreverá sobre seu jogo. Isso pode ser uma decisão que define carrreiras.” — Adam Lieb, CEO da Gamesight.
Além do risco de imagem interna, há fatores práticos: grande parte do valor de lançamento de um jogo vem de cobertura por criadores e mídia no primeiro mês. Se essas vozes estão capturadas por algo maior, seu título perde uma janela essencial de exposição. A execução exigiria um plano de comunicação extraordinário e, ainda assim, seria um jogo de alta probabilidade de falha.
Outra questão é a reação do próprio mercado. Mesmo que a audiência esteja curiosa por diversidade, criadores tendem a focar onde há mais tráfego e retorno, e anunciantes preferem vincular-se ao conteúdo com maior visualização. Um jogo indie que tenta competir por atenção no mesmo dia que GTA 6 estaria lutando num ringue com um pugilista que não sai do radar de ninguém.
Risco e retorno precisam ser medidos: competir com um gigante pode custar a sobrevivência financeira de um estúdio indie.
Estratégias práticas para quem é pego de surpresa
Se você é desenvolvedor ou publisher pequeno e um gigante cai na sua data sem aviso, como agir? Algumas abordagens práticas, testadas por veteranos, são:
– Avalie o custo real do adiamento: reprecifique campanhas pagas, frees, contratos com influencers, e custos operacionais. Nem tudo precisa ser reinvestido, mas muitas coisas sim.
– Analise o público-alvo e a sobreposição: seus jogadores consomem o mesmo conteúdo? Ou sua base está em outro segmento que não será afetado?
– Olhe para o comportamento de indexação: que outros jogos seus jogadores costumam jogar? Se há sobreposição grande, você está mais em risco.
– Se optar por não adiar, tenha um plano alternativo de visibilidade: eventos para a mídia, parcerias com criadores que têm nichos específicos, e comunicações criativas que deem ao seu título um espaço próprio.
– Seja transparente com sua comunidade e equipe: explique riscos, custos e por que a decisão foi tomada. Cultura interna conta muito quando um lançamento precisa de empurrões no pós-dia 1.
– E por fim: monitore o calendário do mercado mais à frente. Quando um grande título é adiado, muitas janelas se abrem rapidamente. Fique pronto para reagendar se necessário.
Nigel Lowrie também faz uma recomendação mais leve: aceitar seu lugar na cadeia alimentar quando for o caso e usar humor pode funcionar. Nem todo estúdio precisa disputar o trono; às vezes é melhor capitalizar a onda cultural com criatividade e humildade.
“É legal saber seu lugar na cadeia alimentar e abraçá-lo. Nós do Devolver nos orgulhamos, mas sabemos que não vamos enfrentar um juggernaut. Então só faça graça com isso e aproveite.” — Nigel Lowrie, cofundador da Devolver Digital.
O que aprendemos e o que vem pela frente
O caso Silksong e o medo de GTA 6 trouxeram à tona algo que sempre foi parte da vida de qualquer produtor de jogos: planejamento é contingente. Você pode ter a melhor execução técnica do mundo, mas o sucesso comercial exige timing, uma compreensão profunda de quem consome seu jogo e como a atenção pública se move. Isso envolve modelagem, dados, relacionamento com mídia e criadores, e — decisivamente — coragem para decidir.
Nem sempre a resposta é óbvia. Às vezes, adiar é sacrificar recursos; outras vezes, adiar é proteger a viabilidade de um projeto. Às vezes, lançar no calor de um movimento cultural é o passe de ouro que você precisava. O que diferencia uma decisão racional de uma aposta estúpida é o conjunto de dados, a clareza sobre sua audiência e uma compreensão brutal das finanças do estúdio.
E se GTA 6 realmente deixar sua marca no calendário? Espere que muitos estúdios deem uma distância respeitosa à data de lançamento — especialmente nos dias próximos ao lançamento — e que os meses seguintes se encherão novamente com títulos que ficaram esperando. Isso significa que mercados e usuários vão ter janelas intensas de lançamentos, e o esforço de marketing deverá ser ainda mais cirúrgico.
Você, leitor desenvolvedor, já pensou como essa dança de datas afeta o seu fluxo de trabalho e moral da equipe? Já teve que adiar um projeto por um motivo que parecia irracional na época, mas que depois se provou salvador? Essas são decisões que testam não só sua capacidade de planejar, mas sua capacidade de escolher quais riscos valem a pena correr.
No fim das contas, a indústria segue um jogo de equilíbrio entre arte, dados e nervos. A boa notícia é que existem métricas e especialistas que podem ajudar a orientar a decisão; a má notícia é que, no lugar, muitas vezes a última palavra acaba sendo humana — e pessoal. Seja qual for a rota, o importante é avaliar custos, indexação de público, atenção de mídia e impacto na equipe antes de tomar a decisão final. Afinal, lançar um jogo é parte técnica, parte tática e parte coragem.