Into the Unwell chega com a cara de desenho antigo que grita “anos 30 com crise existencial” e uma jogabilidade que, surpreendentemente, honra essa estética com peso e peso real nas pancadas. Joguei um pedaço da Closed Beta e, se você curte roguelites cheios de combate e decisões táticas, vai encontrar aqui um brawler que mistura humor sombrio com mecânicas profundas — e que faz você pensar duas vezes antes de subestimar um inimigo feito de lata de refrigerante. Será que um visual cartunesco consegue esconder um jogo meticuloso e exigente? Spoiler: não esconde, ele melhora a experiência.
Visual, som e personalidade
O que salta aos olhos em Into the Unwell é, sem dúvida, a direção de arte: animação estilo “rubber hose” à la Fleischer, mas transposta para 3D com uma energia que lembra um Cuphead mais elástico. Cada personagem jogável — um gato maltrapilho tricolor, um pato em completo desalento e um galo que claramente já viveu dias melhores — tem poses, estiramentos e impactos que comunicam informação de jogo instantaneamente. Isso ajuda muito: quando você vê a lâmina esticar antes de um ataque pesado, já sabe que vem um golpe com tempo de recuperação maior. O áudio acompanha: efeitos sônicos cartunescos, mas com graves quando importa, entregando peso físico ao impacto.
O tom é cáustico e sombrio na medida, porque a narrativa trata de saúde mental e vícios, mas sem virar só drama. Os estágios são literalmente formados por latas de cerveja, junk food e outros elementos que viraram inimigos. A proposta é clara: mergulhe no subconsciente e enfrente os seus demônios — alguns literalmente arroxeados e com olhos. “Queremos dar poder aos impotentes.” — equipe de desenvolvimento traz esse discurso direto sobre empoderamento e responsabilidade na forma de jogo. Dá para rir e, ao mesmo tempo, sentir peso temático. Você concorda que é um equilíbrio arriscado, mas bem executado?
A estética não é só capricho: ela informa a jogabilidade em cada quadro, desde os telegraphings dos inimigos até as animações de stagger que dizem quando você pode punir. A trilha e os efeitos sonoros trabalham com timing; uma batida mais baixa anuncia uma abertura, e um som de “squash” comunica que um inimigo está vulnerável. Essas escolhas de som+visual tornam o combate telegráfico e satisfatório — essencial em jogos onde frames contam.
Combate: peso, stagger e design de armas
O combat feel é a grande vitória do jogo. Os ataques pesados têm aquela sensação de “esticar contra a gravidade” que remete à física cartunesca — mas não é só visual: há sensação tátil de impacto. O sistema de stagger (acúmulo de barulho que paralisa inimigos) funciona como um medidor de controle de campo: quanto mais você acerta, mais tempo para punir. Isso gera decisões em tempo real: você planeja bater rápidos combos leves para manter múltiplos inimigos atordoados, ou foca um heavy para criar uma janela grande e kickar o adversário pra fora da plataforma?
As armas são criativas e são tratadas como classes com comportamentos únicos. Um pirulito coberto de fiapos vira espada lenta e poderosa; pares de espinhas de peixe viram lâminas duplas rápidas; um sorvete gigante é o “great weapon” que você gira para sugar inimigos para dentro de um vórtice. Cada arma tem um especial que muda radicalmente o uso: o mop consegue criar uma réplica cravada no chão que atinge inimigos no seu alcance, enquanto o sorvete gigante transforma você em uma espécie de Beyblade deprimente que puxa e lança inimigos. Essas habilidades têm modificadores que alteram timing, alcance e aplicações táticas — essencial para runs variadas.
A customização por perks e traits transforma cada run em algo único, possibilitando builds que valorizam defesa, esquiva perfeita, stagger ou dano puro. Perks que escalam com perfect dodges ou perfect strikes exigem precisão e são altamente recompensadoras, enquanto opções mais passivas permitem um estilo mais relaxado, mas ainda competitivo. O balanceamento inicial indica que o jogo favorece skill, mas não torna runs impossíveis para quem prefere táticas de mitigação.
A IA dos inimigos não é sofisticada ao ponto de enganar, mas em conjunto eles montam situações de pressão muito eficazes. Há sempre um “target prioritário” — um lata de lixo que cria escudos, um tubo de pasta de dente que dispara morteiro — e o design dos grupos força você a escolher suas prioridades. Dificuldade aqui tende a escalar por acúmulo e posicionamento, não por truques baratos. Isso me agradou: o desafio é justo, aprende-se padrões e se melhora por habilidade.
Ambientes e props são parte do combate. Dinamites, armadilhas e objetos lançáveis existem em quantidade moderada e acrescentam tática, porque você pode usar o cenário tanto para causar dano quanto para se proteger — ou se ferrar espetacularmente. As armadilhas também podem funcionar contra você, o que traz risco-recompensa constante: vale a pena usar uma dinamite ao seu lado para limpar o spawn, sabendo que você também pode ser atingido?
Estruturalmente, cada ilha é curta, com objetivo previsível (ganhar vida, mais dentes — a moeda do jogo — etc). Event rooms alteram o ritmo: um bar para trocar dentes por itens e vida, uma cabana de mosquito para comprar com sua própria saúde, ou uma máquina caça-níquel que permite arriscar tudo por um payoff alto. Esses momentos são pequenos puzzles de escolha — você prefere trocar saúde por poder imediato ou guardar recursos para o final?
Progressão e conteúdo de roguelite
A progressão é dupla: micro-progressão dentro da run (arma, perks, itens) e macro-progresso entre runs (talentos permanentes, desbloqueios). Você sente evolução real a cada sessão: desbloqueia talentos que mudam estatísticas base, novos perks e até opções de personalização de armas. Isso reduz a sensação de “recomeço vazio”, típica de roguelites menos generosos.
As perks são geralmente bem pensadas e permitem sinergias interessantes. Combinações de perks que favorecem stagger + knockback viralizam estratégias onde você empurra inimigos para pontos de morte, enquanto perks focadas em perfect dodge criam uma camada de alto risco/alta recompensa para jogadores técnicos. A profundidade está lá para quem quer se aprofundar, mas o jogo também aceita estilos menos precisos.
Batalhas maiores e chefes
Os chefes mudam o ritmo e testam o que você aprendeu. No build que joguei, o chefe final era uma garrafa gigante de molho de pimenta que incendiava a arena, chamava minions e cuspia chamas em padrões que exigiam leitura e timing. Foi uma luta satisfatória, mas senti falta de integração de stagger em algumas mecânicas de chefe: o stagger que funcionou tão bem contra mobs normais teve menos impacto contra o big boss, o que levantou dúvida sobre como perks orientadas a stagger se encaixam em lutas maiores. Ainda assim, aprender padrões e encontrar janelas de ataque foi recompensador. Queremos ver mais variação de arenas e mecânicas de interação ambiente-chefe nas versões futuras.
Exploração e pequenos puzzles
Into the Unwell quebra o loop de pura pancadaria com pequenas seções de plataforma e puzzles ambientais que recompensam curiosidade. Subir uma pilha instável de latas ou desvendar uma passagem lateral quase sempre resulta em itens especiais ou buffs. Esses momentos funcionam como respiro e como incentivo direto à exploração — você será premiado por olhar para além do caminho óbvio. É um design que integra bem a estética (acredite ou não, uma torre de latas quase sempre esconde algo bom) e o gameplay.
Polimento técnico e performance
Joguei na Closed Beta, então não dá para avaliar build final, mas tecnicamente o jogo se comportou bem no meu PC de testes: estabilidade sólida, inputs responsivos e framerate consistente nas sessões. A transição 2D→3D para um estilo rubber-hose exigiu atenção extra à legibilidade, e os desenvolvedores parecem ter acertado a mão: hitboxes e telegraphings são claros, o que é crucial quando o combate depende de frames e espaçamento.
Ainda quero ver opções de acessibilidade robustas — escalas de dificuldade, modos que favoreçam leitura visual de inputs, e configurações de controle detalhadas — especialmente por lidar com temática sensível como saúde mental. Um menu de opções para ajustar telegráficos visuais e tempo de animação já seria bem-vindo.
Vale a pena?
Se você curte roguelites onde combate e construção de run importam, Into the Unwell tem personalidade, mecânica e profundidade suficientes para te fisgar por várias horas. A mistura de humor sombrio com combate ponderado, a variedade de armas e perks, e o incentivo à exploração criam uma experiência que vai além da estética retrô charmosa. Você prefere builds que exigem precisão ou quer algo mais casual? Aqui dá para tentar ambos, embora o jogo premie quem domina as mecânicas.
No final das contas, Into the Unwell se destaca por transformar um estilo visual reconhecível em mecânicas que fazem sentido — e por isso não é apenas um rosto bonito. É um roguelite com corpo, peso e peculiaridade. Se a equipe lapidar a integração de perks com encontros maiores e continuar adicionando diversidade de eventos e chefes, tem tudo para ser um dos brawlers roguelite mais interessantes do cenário.