Jaime Griesemer diz “Estão quebrando tudo sem razão” sobre Halo Campaign Evolved

Halo: Campaign Evolved gera debates sobre preservar design original versus modernizar, destacando dilemas em remakes, como sprint, física, HUD e fidelidade da experiência clássica.
Escrito por:
Lucas Amaral

A Microsoft revelou Halo: Campaign Evolved — um remake da campanha original de Halo: Combat Evolved — e a comunidade já está em polvorosa. As mudanças visuais e mecânicas apresentadas no trailer e nas imagens (sprint opcional, física de objetos, nova arte, contador de munição no Needler etc.) geraram debates acalorados. Mas o que os próprios criadores do jogo original acham disso tudo? Jaime Griesemer, um dos designers centrais do Halo original, reagiu de forma contundente no X/Twitter, e suas observações revelam dilemas de design que todo remake enfrenta: respeito à visão original, adaptação técnica e decisões de jogabilidade que alteram intenções. Vamos destrinchar isso tecnico e criticamente.

O dilema do encontro: Hunters, Warthog e cobertura dinâmica

O ponto mais citado por Griesemer foi a alteração no layout do encontro com os Hunters em The Silent Cartographer. No design original, o primeiro encontro com dois Hunters foi pensado para forçar o jogador a enfrentar a ameaça a pé — os obstáculos (rochas, caixas) tinham papel de bloqueio intencional para moldar comportamento e ritmo. Griesemer resumiu a intenção e a frustração assim: “Você não deveria conseguir levar o Warthog para esmagar os Hunters. Eu coloquei intencionalmente rochas no caminho para que você tivesse que lutar a pé. Quando você pode simplesmente arrombar as caixas fora do caminho, isso destrói os encontros.” — Jaime Griesemer.

Do ponto de vista de design, isso é crucial. Encontros são blocos narrativos com uma lógica interna: introdução (intimidante de longe), clímax (encontro fechado, mais difícil) e resolução (recupera-se arsenal e veículos para virar a mesa). Griesemer descreve isso como uma “peça em três atos” — e a existência de objetos destrutíveis, veículos que furam obstáculos ou escalas mal calibradas pode pulverizar essa arquitetura. Mudanças na física ou na cobertura quebram o propósito dos encontros. Quando um elemento de nível deixa de ser um impedimento e vira trivialmente contornável, todo o ritmo e a progressão de dificuldade se desfazem.

Há uma justificativa técnica possível para a mudança: objetos agora são dinâmicos e veículos sofrem dano, então forçar o Warthog por cima das rochas pode não ser viável sem risco de destruição instantânea. Griesemer antecipa esse raciocínio e rebate: “Se os veículos tomam dano, você está tão propenso a destruir o hog quanto a passá-lo sobre as rochas. Se tudo o que isso faz é piorar, então menos ainda fazem sentido os ‘truques’ com veículos.” — Jaime Griesemer. Em resumo: a solução técnica (dinâmica nos objetos) impõe custos que deveriam ter sido recompensados por um redesenho de encontros.

Sprint, escala do mundo e transições musicais

Outra polêmica: sprint infinito opcional. Sprint é hoje padrão em jogos modernos, mas Halo original era sobre ritmo calculado, posicionamento e percepção — correr infinitamente altera a sensação de espaço e ameaça. Griesemer observou um problema prático no vídeo: o jogador sprintou por um trecho fechado tão rápido que quebrou a transição musical da cena. “Quem é que isso é para? Se o mundo não está escalado para sprint, você vai pular encontros trivialmente.” — Jaime Griesemer.

Essa é uma crítica técnica e de design: velocidade do jogador afeta detecção de eventos, triggers de áudio, blending de animação e até o tempo das janelas de combate. Se a escala do nível e os tempos de ativação dos eventos foram calculados para uma velocidade média, adicionar uma opção que duplica ou triplica essa velocidade exige reescalonamento de tudo — desde posicionamento de inimigos até o mix de áudio. Remakes não são só polir gráficos — são reprojetar intenções de jogo. Se o estúdio optou por manter níveis e encontros próximos ao original, mas liberou o sprint, o caminho lógico seria ajustar conteúdo e ritmo; caso contrário, o sprint vira uma “exploit” de design.

Técnicas possíveis: limitar sprint por stamina, ajustar transições musicais por distância/tempo em vez de triggers únicos, e recalibrar detecção de encontros. Mas cada correção altera a experiência; nenhuma é neutra. A pergunta é: o remake quer “modernizar” a jogabilidade ou preservar a coreografia original dos encontros?

Detalhes de arma e HUD: o caso do Needler

Pequenos detalhes também geram discussão. O Needler clássico exibia fisicamente as agulhas na arma — um contador visual de munição. No remake, além do visual, foi adicionado um contador de munição digital no HUD. Griesemer foi seco: “De longe, o enfeite mais comicamente desnecessário no anúncio. Não sei se não é uma sátira intencional.” — Jaime Griesemer e complementou: “Mas por que colocar contador de munição em uma arma que JÁ é um contador de munição?” — Jaime Griesemer.

Isso aponta a tensão entre clareza de interface e preservação de charme. HUDs modernos priorizam feedback imediato (vida, munição, cooldowns), mas halo original usava feedback ambiental e design de arma para comunicar. Acrescentar um contador resolve um problema de usabilidade para jogadores novos, porém também elimina um pedaço de design intencional. Em remakes, decidir o quanto automatizar feedbacks é uma decisão filosófica tanto quanto técnica.

Outras mudanças e o somatório que importa

Griesemer também mencionou uma série de mudanças acumulativas que, embora individuais pareçam melhorias “slick”, juntas afinam a experiência para algo menos interessante: tempos de reload alterados, ausência de health packs, dano por queda ajustado. Ele disse: “Acho que há dezenas de mudanças (velocidades de recarga, sem kits de saúde, dano de queda, etc.) que deixam o jogo ‘mais polido’ mas, no fim, menos interessante.” — Jaime Griesemer.

Isso é relevante: remakes sofrem do efeito de micro-otimizações que, por si só, são inofensivas, mas, quando somadas, mudam a dinâmica. Designers originais trabalham com restrições e “ruídos” que acabam sendo parte do caráter. Retirar ou “corrigir” esses ruídos sem repensar a árvore de decisões cria fricções.

Reação da equipe original e o peso da nostalgia

Nem todo mundo da equipe original foi crítico. Marcus Lehto, ex-art director do Halo original, foi positivo: “Minha impressão honesta ao ver o novo Halo Campaign Evolved é essa: eu absolutamente adoro para onde isso está indo. O jogo parece e se sente genuíno. É lindo de um jeito que eu gostaria de ter conseguido construir em 2001.” — Marcus Lehto. Isso mostra que percepção varia: artistas podem valorizar a fidelidade visual e a oportunidade de, finalmente, realizar a visão com tecnologia atual.

Griesemer, por outro lado, declarou um ceticismo maior sobre remakes em geral: “Remakes e remasters destroem a alma e eu sinto pelos devs que trabalham neles. Eles não têm como ganhar e mesmo que ganhem não recebem crédito. Situação ruim, a menos que esteja recebendo muito dinheiro.” — Jaime Griesemer. E ainda: “Não é mais começo dos anos 2000. Halo é do seu tempo… Então eles tentam tirar Halo de 2001 e modernizar (o que quebra) ou tomar jogadores de volta pra 2001 com nostalgia (o que é impossível).” — Jaime Griesemer.

Esses comentários levantam a questão: qual é a finalidade de um remake? Educação de nova audiência? Arte preservada em alta resolução? Uma plataforma para vender live-service? Dependendo da resposta, alterações como sprint ou HUD adicional podem ser justificadas ou não.

O que os estúdios podem fazer sem trair a visão

Do ponto de vista prático, há caminhos técnicos e de design que equilibram modernização e fidelidade:

– Mode toggles bem implementados: não apenas opções avulsas (“liga/desliga sprint”), mas perfis de experiência (Original, Modernizado, Competitivo) que reescalam parâmetros de mundo, IA, áudio e física.
– Reprojetar encontros que dependem de bugs ou exploits: se o original tolerava truques de Warthog por falhas emergentes, tornar isso intencional exige reprojetar caixas, texturas e colisões.
– Feedback de arma: manter elementos estéticos (agulhas no Needler) e oferecer HUD opcional que pode ser ocultado automaticamente por jogadores que querem autenticidade.
– Testes de ritmo e áudio: usar blendings dinâmicos (tempo baseado no progresso do jogador) para evitar que sprint quebre trilhas.
– Comunicação clara com a comunidade: explicar as intenções e opções é meio caminho para evitar brigas sobre design.

Mas tudo isso demanda tempo e vontade editorial: a pergunta prática é se Halo Studios quer uma visão unificada ou prefere entregar um conjunto de ferramentas e deixar a comunidade escolher.

Por fim, a história recente de Halo pós-Bungie mostra que recriar aquela “magia” é difícil. Bungie teve um conjunto muito específico de restrições técnicas e estéticas que geraram design icônico; 343 e outros estúdios lutaram para reproduzir não apenas mecânicas, mas a mesma sensação. Griesemer foi direto: “Provavelmente não. Mas não sei qual é o sentido de um ‘remake’ hoje. Nostalgia? Nova geração de fãs? Ou ocupar uma equipe de arte enquanto decidem o próximo passo?” — Jaime Griesemer.

A polêmica sobre Campaign Evolved ilustra um ponto maior: remakes são decisões de design que vão além de gráficos. Eles exigem posicionamento claro sobre o que preservar, o que modernizar e quais compromissos aceitar. Se o objetivo é apresentar Halo para novos jogadores com conforto moderno, então ferramentas como sprint e HUD extra fazem sentido — contanto que todo o resto seja ajustado para manter o jogo interessante. Se o objetivo é recriar a coreografia do original, então cada mudança precisa ser justificada por redesign completo dos encontros.

No fim, a conversa vai continuar enquanto o jogo se aproxima de 2026. A equipe tem tempo para responder ao feedback, mas também já tomou decisões explícitas. Resta saber qual caminho eles escolherão: polir para o público moderno e correr o risco de diluir a coreografia original, ou preservar a dança antiga e aceitar que ela vai parecer estranha para quem cresceu com jogos diferentes? Quem manda nessa equação: a nostalgia, a jogabilidade ou o mercado?