Lost Soul Aside é, no fim das contas, um jogo de ação com dentes afiados dentro de um pacote visualmente vistoso — só que nem tudo que brilha é aço temperado. Passei horas divertidas nos confrontos e chefes; porém, o tempo entre essas lutas costuma ser um trânsito chato por níveis repetitivos, diálogos pouco inspirados e plataformas irritantes que destroem o ritmo. Originalidade é rara hoje em dia, e isso não é um crime — desde que você entregue uma execução competente. Aqui, a execução funciona quando a jogabilidade entra em cena, mas tropeça feio nas demais áreas. Já se perguntou por que tantos jogos tentam emular Final Fantasy VII Remake e acabam perdendo o tempero pelo caminho?
Sobre a narrativa e os personagens
A narrativa de Lost Soul Aside segue fórmulas familiares: um mundo sci-fi/fantasia, uma energia alienígena usada pelo império, uma resistência nas favelas da capital e um protagonista com passado torto. Kaser — nosso protagonista, que claramente carrega ecos de Noctis — divide a aventura com Arena, uma espécie de espírito/dragão que empresta poderes e personalidade ao combate. O setup é eficiente na letra, mas morre na execução: diálogos truncados, animações faciais pouco convincentes e dublagem que não carrega o peso emocional necessário.
As reviravoltas que deveriam surpreender soam previsíveis; os vilões são em boa parte arquétipos, e os coadjuvantes mal têm tempo de existir além de rótulos. Em cortes mais generosos, dá para argumentar que a tradução e a localização “engessaram” traços que poderiam funcionar numa versão japonesa mais solta, mas isso não explica tudo. A sensação é de que o jogo seguiu um checklist de RPGs populares — “temos que ter um gancho emocional, uma resistência, um império, um mc sombrio, um plot twist” — e não de que a equipe escolheu contar algo próprio. Resultado: personagens que poderiam virar ícones viram figuras planas com frases de efeito esquecíveis.
Os momentos entre as lutas são entregues de forma irregular: cutscenes às vezes impressionantes, interlúdios conversacionais usualmente desinteressantes. A progressão de personagens é rasa em quase todos os casos — são 16 horas de jogo que passam rápido, mas não deixam espaço para desenvolvimento consistente. Você sai mais pela experiência do combate do que pela história. E, para ser franco, isso é um sintoma comum quando o design prioriza mecânicas sobre dramaturgia — será que tanta inspiração em blockbusters de RPG está atraindo equipes a replicar fórmulas ao invés de investigar a própria voz?
Combate — o ponto alto
Aqui é onde Lost Soul Aside brilha de verdade. Combat system é bem pensado, responsivo e me pegou de jeito. Kaser tem ataques leves e pesados, que podem ser encadeados com timing e ordem variados para abrir novas strings de combos. O sistema de skill points e árvores de habilidades oferece personalização sem se tornar confusa: cada arma — espada, espada pesada (greatsword), poleblade e foice — tem um caminho próprio, o que incentiva experimentação. Mudar de arma no meio de um combo não é só um truque visual; abre ramificações táticas reais.
Tem mecânicas específicas que merecem destaque técnico: o Burst Pursuit, que funciona como um extender para combos permitindo um “big finisher”; o esquiva perfeita que lembra o Witch Time (parando o tempo por uma janela curta e garantindo um ataque especial por arma); parry com janela de execução mais restrita; e as chamadas Arena powers, ataques em área pesados que ajudam a resetar o fluxo do combate quando o campo de batalha vira uma bagunça. O medidor de stagger dos inimigos funciona muito bem — reduzir essa barra prepara o cenário para o Sync Finisher, que é uma conclusão satisfatória tanto visual quanto mecanicamente.
Mesmo contra inimigos pouco memoráveis, experimentar combinações de armas, bursts e esquivas é divertido e recompensador — a dança entre risco e recompensa é constante e gratificante.
Os chefes elevam isso: variação de escala, padrões de ataque que pedem leitura e adaptação, e apertos mecânicos na hora certa. Alguns são brutais e grandiosos, outros são duelos técnicos quase em Sifu-meets-DMC. A sensação de progressão nas lutas é bem calibrada — não é só apertar botões; você precisa entender padrões, controlar espaço e usar as ferramentas (Arena powers, parry, esquiva perfeita) com inteligência.
Ainda assim, há arestas. Feedback de dano é por vezes pobre: ataques menores podem reduzir bastante sua barra de vida sem que a câmera, as animações ou os efeitos de impacto deixem claro que você foi atingido. Isso cria uma sensação de “levantei e perdi metade da vida sem perceber” que tira da experiência a previsibilidade que jogos de ação precisam. As falas do Kaser e de Arena ajudam a sinalizar perigo quando a coisa fica crítica, mas confiar nisso não é ideal do ponto de vista de design. Melhorias em efeitos visuais, rumble e indicadores de hit seriam bem-vindas para reduzir essas surpresas.
Design de níveis, puzzles e plataforma
Se o combate é o prato principal, o prato de acompanhamento é, em muitos momentos, indigesto. A maior parte dos níveis é linear: corredores estendidos que apontam para o próximo confronto, com pequenas áreas “abertas” que são, na prática, corredores maiores. Há colecionáveis, baús e puzzles simples, mas quase nada justifica o tempo gasto entre chefes. O loot crafting também fica aquém: matérias-primas acumulam, mas melhorias de stat são tão marginais que eu quase nunca me preocupei em usá-las. Por que pegar material se ele não muda de fato a minha sensação de jogo?
Os puzzles são em sua maioria triviais — menor do que um desafio de infância — ou mal integrados ao flow. Eles funcionam como pausas artificiais, não como variação orgânica de gameplay. E, pior, o design de plataforma é, sinceramente, fraco. Saltos são “flutuantes” demais, controle de corrida e aceleração é impreciso, animações de salto parecem atrasadas em relação ao input, e a sombra do personagem quase some em cenários iluminados, dificultando julgamentos de distância. Campo de visão apertado em seções de plataforma aumenta a claustrofobia e a sensação de “hit or miss” técnica.
Plataformas aqui não exigem destreza criativa; exigem tolerância a imprecisão — um problema grave num jogo que depende tanto do ritmo entre lutas.
Algumas seções são opcionais e permitem escapar do pior, mas várias travessas são obrigatórias para completar fases. Dá para “cheesar” alguns trechos usando combos e habilidades para atravessar espaços que deveriam pedir precisão, mas essa não é solução — é paliativo. Em resumo: a sensação é que o jogo foi pensado para oferecer pauses entre combates, mas o design dessas pausas não foi polido.
Apresentação técnica e polimento
Visualmente, Lost Soul Aside entrega: cenários detalhados, animações de combate vistosas e efeitos que fazem o jogo parecer maior do que realmente é. Onde perde pontos é no acabamento: transições de câmera, expressões faciais nas cenas de diálogo e bugs menores nas animações prejudicam a imersão. A dublagem em inglês (e a tradução para outras línguas) oscila entre momentos OK e performances apáticas, o que reforça a sensação de falta de identidade.
Em termos de performance, dependendo da plataforma (no meu caso PC/Xbox Series X), o jogo rodou estável para mim nas configurações que testei, mas notei micro-travadas em cargas de efeitos pesados em batalhas maiores — nada que quebrasse as lutas, mas perceptível se você é sensível a variações de frame rate. Isso combinado com o feedback de hits falho pode gerar momentos frustrantes onde o jogador acha que está no controle quando não está.
E sobre a trilha e direção sonora? Funciona quando precisa elevar um combate ou um momento dramático, mas não se sobressai de forma memorável. Faltou aquela assinatura sonora que você sai cantarolando depois da sessão. É o tipo de trilha que cumpre o papel, mas não define a experiência.
Quem deve jogar Lost Soul Aside? Se você vive para combos, animações coreografadas e chefes estilizados — fã de Bayonetta, DMC, God of War no seu lado mais cinematográfico — vai achar muita coisa aqui para amar. Os confrontos são o cerne, e eles entregam prazer mecânico consistente. Agora, se você valoriza narrativa profunda, personagens que crescem organicamente, exploração recompensadora ou plataforma de precisão, as falhas vão incomodar.
No fim das contas, Lost Soul Aside é um jogo com identidade dividida: um coração de ação muito bom batendo dentro de um corpo que não foi afinado para o resto da experiência. A equipe acertou ao investir pesado nas mecânicas de combate — e isso é suficiente para fazer o jogo valer algumas horas de diversão —, mas deixou lacunas crônicas em design de níveis, narrativa e polimento técnico que impedem o título de chegar ao mesmo patamar dos jogos que claramente o inspiraram. Será que vale a pena? Depende do que você busca: se o objetivo é uma vitrine de combate estiloso, sim; se você quer um pacote completo sem soluços, talvez seja melhor esperar por patches ou promoções.