Volta e meia eu paro para pensar nos games de ação que me moldaram como jogador — aqueles que colocavam design de combate e espetáculo acima de tudo. Noir, frenético e sem desculpas: essa era a vibe do início dos anos 2000, quando God of War, Devil May Cry e God Hand ditavam regras. Mas, no meu pódio pessoal, havia um título que simplesmente esmagava as referências da época: Ninja Gaiden (e sua versão Black). Então, quando anunciaram Ninja Gaiden 4 co-desenvolvido pela Platinum Games, minhas expectativas ficaram na estratosfera. Será que o novo jogo honra esse legado? Pelos quatro primeiros capítulos que testei, a resposta é um retumbante sim — e de forma quase fanática.
“Vamos deixar uma coisa clara primeiro: embora este jogo seja co-desenvolvido pela Platinum Games, não se engane, isto é Ninja Gaiden do Team Ninja, de ponta a ponta.” — Mitchell Saltzman
Combate e mecânicas
Se você conhece a série, o esqueleto do combate está lá: ataques leves e pesados, shurikens, voadora (flying swallow), izuna drops e aquela ênfase em posicionamento e timing que separa novatos de veteranos. O que Ninja Gaiden 4 faz é pegar essas bases e polir, expandir e, mais importante, introduzir intervenções sutis que mexem diretamente no ritmo do combate. Quer um exemplo prático? Agora existe uma forma energizada — acessível segurando o gatilho esquerdo — que transforma tanto Ryu quanto o novato Yakumo em variantes mais lentas, porém de impacto brutal. Esse modo consome uma barra recarregável que é preenchida principalmente ao atacar na forma base e ao executar técnicas de “obliteration” em inimigos desmembrados.
A implementação dessa forma tem consequências táticas claras: é o recurso ideal para romper guardas e responder a ataques vermelhos telegráficos de inimigos grandes e chefes. Você precisa decidir quando sacrificar velocidade por dano concentrado. É um trade-off clássico, mas com execução impecável aqui — e é algo que me pegou explorando como quebrar a defesa dos oponentes sem abrir mão do contra-ataque.
O que me fascinou foi como elementos nostálgicos e novas mecânicas convivem: a Flying Swallow voltou mais versátil, com interações ampliadas a paredes e ao ambiente.
As assinaturas de movimentação da série foram refinadas. Izuna drops, Guillotine Throws e a Flying Swallow ganharam ajustes que as tornam mais úteis em cadeias de movimentos. As Guillotine Throws agora miram automaticamente em alvos próximos e podem derrubar inimigos aéreos; usar o Flying Swallow durante um wall-run concede uma versão energizada do movimento, encorajando abordagens verticais e criativas. E sim, você pode ativar técnicas ultra-rápidas logo após uma Izuna Drop ou Flying Swallow — a continuidade de animação é fluida e incentiva uma mentalidade agressiva e de risco calculado.
Do ponto de vista técnico, a responsividade de entrada é exemplar. Os frames de invulnerabilidade, os janelas de parry e os timings de cancelamento foram ajustados de maneira que as transições entre ataques leves, pesados e técnicas especiais parecem naturais, não uma montagem artificial. Isso dá ao jogo uma sensação de precisão cirúrgica: quando você erra, foi por escolha; quando acerta, parece que ganhou por mérito técnico.
Yakumo e Ryu têm identidades próprias: Yakumo ganha a Bloodraven Form, com uma espada de sangue que estende alcance e aplica variações de hitbox interessantes; Ryu recebe a Gleam Form, focada em slashes multi-hitting e finta para aproveitar combos de carga. Apesar das diferenças, a coesão entre os estilos é forte — ambos compartilham mecânicas centrais e possibilidades de encadeamento. Resultado? Uma curva de domínio que recompensa experimentação, não apenas repetição.
“Isso foi tão insano!” — Mitchell Saltzman
Chefes e design de encontros
Historicamente, a série nem sempre brilhou nos chefes. Havia grandes ideias, mas a execução nem sempre convergia num ápice memorável. Em Ninja Gaiden 4, os dois chefes que enfrentei mudaram essa narrativa. O primeiro é uma armadura samurai gigante que atua mais como um teste de leitura de padrões do que como um saco de pancadas. Ele defende, contra-ataca, fecha distância e esconde ataques unblockable que forçam o jogador a usar a forma energizada para punir. A luta demanda reconhecimento de comportamento, timing de parry e agressão medida — tudo aquilo que define um bom duelo.
O segundo encontro é menos tradicional: uma fuga-perseguição através de um inferno demoníaco distorcido que culmina num embate contra uma inimiga com um guarda-chuva gigante giratório. Esse design mistura performance de plataforma, manobras evasivas e ritmo de bloqueio muito preciso. O guarda-chuva cria um arco de perigo, forçando bloqueios bem temporizados e uso inteligente do grapple para reposicionar e retomar a pressão. Eu adorei que os pontos de grappling foram integrados aos encontros de forma a permitir manobras ofensivas, não apenas fuga — zipar até um ponto, executar dois cortes e puxar um inimigo aéreo para um piledrive? Sensacional.
O que torna os chefes memoráveis aqui não é a complexidade mecânica por si só, mas a sinergia entre movimentos do jogador, animações do inimigo e oportunidades de contra-ataque. Há momentos claros onde o inimigo recompensa a leitura correta com uma abertura grande o suficiente para um final cinematográfico. É um design que respeita a habilidade do jogador sem descartar a brutalidade estilosa que a franquia deve.
Os chefes não são apenas obstáculos: são testes de proficiência técnica e de improviso, onde cada erro é uma lição e cada acerto, uma pequena vitória coreografada.
Progressão e customização ainda ficam em aberto por causa do preview: no build eu já tinha acesso a muitas habilidades e itens, então não pude avaliar bem o ritmo do unlock nem a curva econômica do jogo. A loja existe, a moeda também, e há um sistema de desafios que premia risco por recompensa. Isso me dá esperança de que a experiência completa terá camadas de construção de personagem pertinentes, mas aguardo o jogo final para confirmar.
Treinamento e ferramentas de aprendizado são um ponto alto técnico: há um modo treino completo com inimigos customizáveis, vídeos explicativos para cada técnica e listagens de combos — algo essencial quando você quer dissecar frames, janelas de entrada e encadeamentos sem precisar pausar a imersão. Para jogadores competitivos e curiosos, isso é ouro puro.
Exploração e conteúdo lateral também aparecem sem forçar a barra: níveis lineares, mas com terminais que disparam sub-missões, pequenas colecionáveis e, o que eu mais gostei, salas de desafio onde você pode escolher penalidades (por exemplo, reduzir sua vida) para aumentar a recompensa. Emulado do clássico espírito das arenas de desafio do Ninja Gaiden 2, esse sistema permite que o jogador ajuste a dificuldade manualmente em troca de loot ou moeda — elegante e justo.
Por fim, a influência da Platinum é visível nos segmentos entre combates: eles inseriram set pieces quase “extremos”, que lembram corridas em trilhos e uso intensivo de grappling e física lúdica. Um segmento me fez lembrar uma mistura de plataforma 3D e ação em alta velocidade, onde você salta por trilhos, evita helicópteros e encerra a sequência com um ataque assassino por cima. Essas pausas no combate tradicional servem para variar o ritmo e criar momentos “episódicos” memoráveis.
“É raro esperar por um jogo por mais de uma década e senti-lo tudo o que você queria e mais — até agora, Ninja Gaiden 4 está se moldando como esse jogo.” — Mitchell Saltzman
Então, quais são os possíveis tropeços? Ainda existe a preocupação se o nível de dificuldade e progressão vão permanecer bem calibrados; se o jogo dá poder demais cedo, pode trivializar o loop; se o ritmo de unlock é lento, pode frustrar. Outra incógnita é a duração e variedade de chefes ao longo do jogo completo, e como a Platinum e o Team Ninja equilibrarão a assinatura de combate com esses segmentos cinematográficos.
Também vale comentar a performance técnica: nos quatro capítulos do preview a taxa de quadros estava sólida, input lag baixo e animações com boa resposta. Em jogos desse calibre, ficam óbvias as exigências de performance no Xbox Series X e PC — quem joga em modo desempenho versus qualidade certamente notará diferenças no pós-processamento, mas a sensação de input e fluidez é prioritária, e o jogo parece saber disso.
O que me agrada do ponto de vista de design é que Ninja Gaiden 4 não tenta reinventar o gênero, ele o refina. É um remaster conceitual das melhores ideias da série com adições que realmente importam — interações ambientais, novos usos para ferramentas já conhecidas, e um ritmo de combate mais permissivo ao improviso, sem punir o jogador de forma arbitrária.
Agora a pergunta que fica: será que o jogo vai cumprir essa promessa até o final? Se os chefes se mantiverem nesse nível e a progressão oferecer recompensas dignas de todo o esforço técnico, estamos diante de um candidato sério a novo clássico da ação.
Para quem curte shooters competitivos, action em primeira pessoa e jogos que exigem precisão, a transição para um estilo mais corporal como o de Ninja Gaiden pode parecer estranha — mas aqui há uma recompensa clara: domínio real de movimentos e a satisfação de corrigir um erro em tempo real. Isso não é só nostalgia; é um refinamento moderno de mecânicas que ainda soam relevantes.
No fim das contas, o que senti foi puro prazer técnico: animações que comunicam intenção, inimigos reativos que forçam leitura, e um conjunto de ferramentas que estimula criatividade em combate. Outubro não chega rápido o suficiente para ver como o jogo final vai amarrar todas essas promessas, mas até agora, Ninja Gaiden 4 parece ser a realização de um desejo antigo de muitos fãs — inclusive o meu. Mitchell Saltzman é produtor editorial na IGN.