Introdução
Prequels no mundo dos videogames têm uma relação de amor com o público que é um pouco diferente da que vemos no cinema. Enquanto no cinema muita gente acusa prequels de tirar a mística de uma franquia ou de simplesmente repetir fórmulas, nos jogos a coisa costuma funcionar melhor: tecnologia nova, ferramentas de desenvolvimento mais amadurecidas e a chance de reescrever ou aprofundar motivações de personagens já consagrados. Mas não basta só ter gráficos melhores ou mecânicas polidas — os melhores prequels mudam a nossa visão do jogo original e expandem a mitologia de forma significativa. Aqui eu vou destrinchar os 10 melhores prequels dos videogames, com foco em desempenho, design, narrativa e impacto técnico. Você vai encontrar desde jogos que usam o salto de hardware a seu favor até títulos que reinventaram sistemas de combate e narrativa. Pronto para revisitar origens que, curiosamente, às vezes superam os próprios jogos-canônicos em influência? Prequel bem-sucedido é aquele que responde perguntas que você nem sabia que tinha e ainda te deixa com vontade de revisitar o jogo original. Quando um prequel muda seu jeito de entender um personagem, a magia acontece — e é isso que procurei priorizar nessa lista.
10. Batman: Arkham Origins
Desenvolvedor: WB Games Montreal | Publisher: Warner Bros. Interactive Entertainment | Plataformas: PS3, Xbox 360, Wii U, PC | Lançamento: 25 de outubro de 2013 (NA)
Arkham Origins é um caso interessante de expectativa vs. execução. Lançado para diminuir o hiato entre Arkham City e Arkham Knight e desenvolvido por um estúdio diferente (WB Montreal), o jogo se passa oito anos antes do primeiro Arkham — na chamada “Year Two” — e mostra um Batman mais jovem, enfrentando assassinos contratados por Black Mask e lidando com o surgimento do Coringa. Tecnicamente, Origins reprisa quase todo o pacote de mecânicas estabelecido por Rocksteady, com furtividade baseada em detecção de linhas de visão, combate “freeflow” e uso do mundo vertical de Gotham. O grande mérito aqui não é revolucionar o gameplay, mas adaptar e polir essas ferramentas em outro contexto narrativo: um Batman em formação.
Do ponto de vista técnico, o jogo manteve desempenho estável nas gerações anteriores de consoles, sacrificando algumas fidelidades gráficas em prol de fluidez. Em termos de design, o combate continua responsivo, mas o que brilha é a atmosfera — a noite de Natal cria oportunidades de level design e encontros com inimigos que aprofundam a sensação de urgência e paranoia. Arkham Origins também introduz elementos que ligam diretamente a cronologia dos jogos principais, como a explicação para o surgimento de substâncias que culminam em eventos posteriores (TN-1 e a gênese do Titan). Para quem curte analisar consistência de mundo e continuidade, isso é ouro puro: o prequel não só conta história, ele corrige lacunas e prepara terreno.
Pergunta retórica: será que comparar Origins constantemente com Arkham City faz sentido? Para mim, não — são jogos com papéis narrativos diferentes. Origins não precisava ser o melhor da série, precisava montar o quebra-cabeça, e nisso acerta.
9. God of War: Chains of Olympus
Desenvolvedor: Ready at Dawn | Publisher: Sony Computer Entertainment | Plataforma: PSP | Lançamento: 4 de março de 2008 (NA)
Colocar God of War em um portátil era, na época, uma aposta arriscada — e Ready at Dawn fez parecer fácil. Chains of Olympus é um prequel direto ao primeiro God of War, levando Kratos ao submundo numa narrativa enxuta que aprofunda seu ódio pelos deuses e explica motivações que vemos na trilogia principal. Tecnicamente, o jogo é um case study: animações fluídas, combate visceral e responsividade surpreendente em hardware limitado. Para designers, é um exemplo de como adaptar sistemas complexos (combos, câmeras dinâmicas, Quick Time Events) para uma UX com menos inputs, mantendo o feeling do protagonista.
A PSP tinha limitações óbvias — sem segundo analógico, menor poder de processamento — mas o time compensou com ajuste fino de hitboxes, transições de câmera robustas e um level design pensado para encontros curtos e intensos. Visualmente, o uso de assets otimizados e texturas bem tratadas criou cenários que, mesmo comprimidos, mantinham personalidade. Em termos narrativos, Chains of Olympus é curto, mas eficiente: acende a chama que transforma Kratos no tipo de personagem que define a franquia. Se você analisa jogos pelo trade-off entre ambição e execução técnica, este é um exemplo de praticamente nenhuma perda de identidade ao migrar para portátil.
8. Super Mario World 2: Yoshi’s Island
Desenvolvedor: Nintendo EAD | Publisher: Nintendo | Plataforma: SNES | Lançamento: 4 de outubro de 1995 (NA)
Yoshi’s Island é um estudo de design quase perfeito de plataformas 2D. Como prequel, ele retrocede no tempo para contar uma fábula sobre Baby Mario e Baby Luigi, mas a narrativa é só o gancho — o que importa é como a Nintendo redefiniu o gênero. O jogo deixa de lado a precisão extrema em favor da exploração e da experiência lúdica: remoção de limites de tempo em muitos estágios, mecânicas centradas no voo e na interação com o ambiente (engolir inimigos, transformá-los em ovos, utilizar o salto de flutuação). O resultado? Um jogo com uma curva de aprendizagem gentil, mas oportunidades de maestria para quem quiser.
Tecnicamente, Yoshi’s Island é magnífico: a estética “feito à mão” — com sprites desenhados e digitalizados para criar aquele visual de marcador — e as transições de paleta que exploram o SNES Mode 7 e camadas de paralaxe criam profundidade e personalidade. A trilha sonora de Koji Kondo é outro pilar; o tema principal é um exemplo de como uma melodia pode fixar a identidade de um game. Além disso, o design de níveis foi pensado para permitir múltiplas abordagens — você pode progredir de forma relaxada ou buscar bônus e rotas alternativas. É um prequel que funciona tanto como peça de lore (origem do vínculo Mario-Yoshi) quanto como aula de engenharia de gameplay.
7. Divinity: Original Sin
Desenvolvedor: Larian Studios | Publisher: Larian Studios | Plataforma: PS3, Xbox 360, PC | Lançamento: 30 de junho de 2014 (PC)
Divinity: Original Sin não é só um prequel de lore ao universo Divinity — ele é o ponto de virada que transformou a Larian de um estúdio cult em um dos pesos pesados do RPG contemporâneo. Situado mais de mil anos antes de Divine Divinity, o jogo reintroduz elementos como a magia da Fonte, mas seu impacto real vem do trabalho de design: um sistema de combate por turnos profunda e elemental que incentiva experimentação. O motor de interação entre efeitos — fogo, água, eletricidade, ácido — permite emergências táticas que mudam cada encontro. Congelar um rio, eletrificar a água e ver o inimigo se tornando presa de uma reação em cadeia? Isso é engenharia de sistema em estado puro.
Original Sin também é notável pela liberdade de resolução de missões: escolhas de diálogo, amarragem de itens e possibilidades de manipulação ambiental permitem múltiplos caminhos. Para analisarmos, é um laboratório de design de RPGs modernos — e suas decisões influenciaram sucessores, inclusive Baldur’s Gate 3. O jogo é, tecnicamente, uma demonstração de como sistemas bem integrados superam narrativas lineares em longevidade e replayability. Em termos de performance, a versão de PC oferece estabilidade sólida; nas ports para consoles da geração anterior houve compressões gráficas, mas a arquitetura modular do combat engine se manteve intacta.
6. Devil May Cry 3: Dante’s Awakening
Desenvolvedor: Capcom Production Studio 1 | Publisher: Capcom | Plataforma: PS2 | Lançamento: 1 de março de 2005 (NA)
DMC3 é uma aula de como revigorar uma franquia via retorno às raízes com inovação técnica. Como prequel, traz um Dante mais jovem — arrogante, estiloso e extremamente ágil — e reintroduz Vergil com motivações que moldariam o futuro da série. O maior trunfo foi o redesenho profundo do combate: o sistema de estilos (Swordmaster, Gunslinger, Trickster e Royal Guard) altera a experiência de jogo drasticamente, permitindo que jogadores customizem a sensação de controle. Isso não só aumentou profundidade mecânica, como elevou o jogo a uma espécie de esporte de habilidade técnica, com ênfase em timing, parry e encadeamento de combos para alcançar altas notas de “stylish”.
Do ponto de vista técnico, DMC3 é punitivo e gratificante — a dificuldade elevada (comparada à versão japonesa) fez do título um teste de maestria. A física dos inimigos, animações de impacto e responsividade das entradas tornam cada frame conta. Design de níveis e checagem de hitboxes permitem que jogadores criem rotas e estratégias complexas para boss fights. Em resumo: DMC3 pivotou a franquia de volta à personalidade que os fãs queriam, adicionando um sistema de combate que viraria referência para jogos de ação estilizados.
5. Halo: Reach
Desenvolvedor: Bungie | Publisher: Microsoft Game Studios | Plataforma: Xbox 360 | Lançamento: 14 de setembro de 2010 (NA)
Halo: Reach é o exemplo clássico de prequel que mantém o DNA do original enquanto amplia escala e emoção. Ambientado nas semanas anteriores a Halo: Combat Evolved, Reach tira proveito da ausência do Master Chief para focar em uma equipe — Noble Team — com identidades e histórias. Isso molda o design do gameplay: missões que variam entre stealth, combate aberto, evacuação e uso de veículos em larga escala. Level design escala de arenas, designs fechados e mapas abertos para veículos, entregando variedade que casa com o tom fatalista da narrativa.
Tecnicamente, Reach empurrou o hardware do Xbox 360 com longas vistas, efeitos de partículas e IA mais agressiva. O movimento dos NPCs, uso de cobertura e coordenação de táticas Covenant exigem que o jogador pense além do “atirar para moer”. O clímax — evacuação da Pillar of Autumn com Noble Six ficando para trás — é um momento que combina direção de narrativa com gameplay: o combate serve para intensificar a tragédia. Reach também é um marco no multiplayer competitivo da série, refinando loadouts, balanceamento de armas e mapas assimétricos. Em termos de legado, é a prequela que deu corpo emocional ao início da saga do Chief.
4. Yakuza 0
Desenvolvedor: Ryu Ga Gotoku Studio | Publisher: Sega | Plataformas: PS3, PS4 | Lançamento: 24 de janeiro de 2017 (NA)
Se você quer entender por que Yakuza virou febre ocidental, Yakuza 0 é leitura obrigatória. Prequel situado duas décadas antes do primeiro jogo, ele reintroduz Kazuma Kiryu e Goro Majima em versões mais jovens e cruas — e aqui está o ponto: aqueles personagens carismáticos não nasceram prontos, eles foram forjados. O jogo equilibra crime organizado, drama e um humor bizarro com uma estrutura quase geriátrica de atividades secundárias e minigames que, tecnicamente, sustentam a economia do jogo. Em termos de combate, o sistema de estilos de Yakuza 0 — que permite evolução de movesets e troca dinâmica entre estilos — é incrivelmente polido e adaptado ao ritmo dos combates de rua.
Em performance, a remasterização para PS4 melhorou loading e framerate, deixando as cutscenes impecáveis. O verdadeiro trunfo de Yakuza 0 é a escrita e o pacing. Como prequel, ele não exige que você jogue o resto da série antes; pelo contrário, é um excelente ponto de entrada. O design de mundo de Kamurocho é uma aula de densidade: NPCs com rotinas, lojas com economia própria, missões secundárias que fazem sentido ambiental. Quer ver evolução de personagem bem construída? Aqui você tem duas jornadas paralelas com arcos que convergem para formar as personalidades que fãs já conhecem.
3. Deus Ex: Human Revolution
Desenvolvedor: Eidos Montreal | Publisher: Square Enix Europe | Plataformas: PC, PS3, Xbox 360, Wii U | Lançamento: 23 de agosto de 2011 (NA)
Deus Ex: Human Revolution é um prequel que equilibra o tom de conspiração do original com uma abordagem mais humana e focada em augmentations. A cena inicial — a perda dos braços do protagonista Adam Jensen e sua substituição por próteses mecânicas — é tanto mecânica quanto metafórica: o sistema de upgrades é integrado à progressão narrativa e ao level design, oferecendo caminhos distintos para resolução de conflitos (stealth, hack, combate direto). “Eu nunca pedi por isso.” — Adam Jensen (tradução). Essa frase encapsula o debate ético do jogo: augmentations salvam vidas, mas também dividem sociedades.
Jogando como analista técnico, não posso deixar de elogiar como a ergonomia de HUD, sincronização de animações e a AI de inimigos foram afinadas para permitir múltiplas abordagens. Embora mais linear e menos aberto que o Deus Ex de 2000, Human Revolution compensa com design de encounters que punem decisões e recompensam planejamento. A direção de arte abraça o neo-noir dourado do cyberpunk, com iluminação volumétrica e texturas de alta qualidade em plataformas de geração passada. Em conjunto, o prequel reconstrói as bases ideológicas do universo Deus Ex — tecnologia como privilégio e potência — e entrega um gameplay que faz sentido com o universo que antecede o original.
2. Metal Gear Solid 3: Snake Eater
Desenvolvedor: Konami Computer Entertainment Japan | Publisher: Konami | Plataforma: PS2 | Lançamento: 17 de novembro de 2004 (NA)
Metal Gear Solid 3 é, para muitos, o ápice da série — e é um prequel que muda tudo que veio depois. Kojima ao mesmo tempo cria um thriller de espionagem inserido num cenário natural (a selva soviética) e escreve a origem de Big Boss, o homem que se tornaria o antagonista ambíguo da saga. A jogabilidade foi reinventada: o foco em camuflagem adaptativa, sobrevivência (caçar, curar-se com remédios improvisados) e um mundo aberto vertical contrasta radicalmente com os corredores dos jogos anteriores. Isso não só amplia possibilidades táticas, como redefine o que é stealth em videogame.
Tecnicamente, Snake Eater é um passeio na fronteira do que o PS2 podia fazer: vegetação dinâmica, sensação de espaço aberto e uma IA que reage a sons e odores (sim, a mecânica de camuflagem afeta detecção). Cada boss fight é projetada para contar parte do arco temático — honra, traição, legado — o que transforma combates em capítulos de narrativa. A sequência final e o confronto com The Boss mudam nossa leitura sobre lealdade nacional e sacrifício, e estabelecem um legado que reverbera em toda a cronologia de Metal Gear. Um prequel que reconsidera mitologia e estrutura de gameplay ao mesmo tempo — isso é ambição rara.
1. Red Dead Redemption 2
Desenvolvedor: Rockstar Games | Publisher: Rockstar Games | Plataformas: PS4, Xbox One, PC | Lançamento: 26 de outubro de 2018 (NA)
Fechar a lista com Red Dead Redemption 2 não é surpresa. O que é surpreendente é o nível de detalhe com que a Rockstar tratou um prequel. Não é apenas sobre melhorar gráficos: é sobre construir um mundo vivo, reativo e cruel ao mesmo tempo. Do comportamento do cavalo à decomposição de carcaças, do peso do corpo de Arthur Morgan variando conforme alimentação, até a maneira como NPCs retêm memórias de encontros passados, tudo foi pensado para criar imersão orgânica. Isso faz o jogador sentir a transição histórica — a virada do Velho Oeste para a modernidade industrial — de forma palpável.
Do ponto de vista técnico, RDR2 usa streaming de assets, sistemas complexos de física e animação procedural para garantir que encontros emergentes se mantenham críveis. As cutscenes e performances (com Roger Clark como Arthur) entregam nuances de interpretação que elevam a escrita; o protagonista não é só um arquétipo de fora-da-lei, é alguém que reflete sobre obsolescência, moralidade e lealdade. A narrativa é construída para que, mesmo sabendo do destino de John Marston, você entenda o custo humano da transição de protagonismo. Em gameplay, o combate e a progressão são menos sobre reflexos e mais sobre posicionamento e consequências — um teste de paciência, precisão e empatia.
Red Dead Redemption 2 é a síntese do que um prequel pode ser: moderniza mecânicas, aprofunda personagens e recontextualiza o jogo anterior enquanto cria experiências novas e memoráveis. É desse tipo de ambição que nascem experiências que ficam com a gente.
E então — qual prequel mexeu mais com você?
Fechei a lista com jogos que não só usam a máquina mais recente para impressionar, mas que também justificam suas existências narrativas e técnicas. A ideia aqui foi destacar títulos que alteram nossa leitura das séries originais: uns por polir a jogabilidade clássica, outros por reinventar sistemas, e alguns por construir mitologias que mudam o mapa da franquia. Prequel bom não se apoia só em nostalgia; ele entrega mecanismos, ideias e personagens que justificam voltar no tempo. Você concorda com as escolhas? Tem algum prequel que você acha que merecia mais destaque? Conta pra gente — qual desses te fez reler a história do jogo original de olhos diferentes?