Where Winds Meet chega com ambição de sobra: é um jogo que tenta abraçar o maximalismo do Wuxia — aquela fantasia operística onde personagens têm carisma de sobra, correm em paredes, praticamente voam, comandam elementos e resolvem tretas políticas com estilo. Se você curte Crouching Tiger, Hidden Dragon ou Kung Fu Hustle, a sensação de “isso aqui deveria ser um jogo” está basicamente entregue. Mas, como costuma acontecer com projetos ambiciosos demais, a execução oscila bastante: há momentos de brilho criativo e momentos em que você vai querer largar o controle e rir (ou xingar). Eu sou Lucas Amaral, gosto de shooters competitivos e ação em primeira pessoa, mas me dediquei a analisar Where Winds Meet com foco em desempenho, jogabilidade e nas minúcias dos sistemas de RPG — e aqui vai o resumo técnico e prático pra você entender se vale a pena fazer a viagem pelo jianghu.
Ambientação, narrativa e tradução — o que funciona e o que quebra a imersão
A ambientação do jogo é o ponto mais firme no começo: a versão fictícia da China do século X é um palco bem construído para intriga política, clãs rivais, palácios pomposos e cavernas assombradas. O protagonista é o arquétipo do órfão que quer sair da vida simples — uma jornada familiar, mas que rende momentos memoráveis. O problema é a execução desses momentos: a tradução para o inglês (e, por consequência, qualquer coisa localizada mal feita) compromete diálogos que deveriam soar épicos ou emotivos. Em várias cutscenes, a frase que deveria impactar sai truncada, com repetições e turnos de frase que não fazem sentido. Resultado: cenas que poderiam ser grandiosas soam desconexas.
Além disso, há bugs de áudio que destroem a atmosfera: lines que se sobrepõem, legendas que não batem com o que é dito, e trechos inteiros onde a voz simplesmente some. Num confronto final dramático, quando dois antigos rivais se unem para dar um último golpe, as falas simplesmente cortaram e nunca voltaram — a cena perdeu toda a carga emocional. Essas falhas técnicas são perrengues que tiram muito da experiência narrativa, e mostram que o jogo precisava de mais polimento nesse quesito. Você fica com a sensação de estar assistindo a uma dublagem mal sincronizada de série de streaming pirata — e isso incomoda.
Gameplay e combate: elegante, mas com pegada MMO
O combate é, em grande parte, o que sustenta o jogo. Ele é estiloso, energético, e tem aquela vibe Wuxia: armas com estilos distintos, skills vistosas e combinações que dão charme às lutas. São sete armas, cada uma com um feeling próprio, e muitas permitem estilos alternativos que mudam padrões de ataque e habilidades. O sistema de equipar duas armas ao mesmo tempo dá variedade tática, mas atenção: os estilos são categorizados como suporte, DPS e tanque. Há sinergias óbvias entre armas de categorias complementares; fiz a maior parte do meu jogo como tanque com lança e glaive, e a interação entre habilidades virou o núcleo da minha build — um exemplo prático de design que funciona.
Mas o esquema é muito mais parecido com um MMO do que com um action hack’n’slash tradicional. Esqueça air-juggles, wall-splats e frenéticas sequências de combos tipo Devil May Cry ou Ninja Gaiden. Aqui o ritmo é de gerenciamento de stun meter, encadeamento de buffs e abertura de janelas de tempo para usar habilidades em sequência. Parry e block são fundamentais, e existe até um sistema de auto-parry que, quando ativado, consome pontos chamados insight para “salvar” você de golpes que, de outra forma, te deixariam no chão. Esse sistema de insight é uma boa opção para quem quer suavizar alguns picos de dificuldade sem perder a tutela do combate. É inteligente porque limita o uso e exige decisão do jogador.
Ainda assim, isso transforma as batalhas — especialmente contra boss fights — numa dança previsível: parry, dodge, retaliate, repetir. Chefes normais costumam ser basicamente “horda beefada” com mais vida e dano. Os encontros maiores, que tentam ser mais criativos, funcionam às vezes (como os dançarinos-dragoes que usam fogos) e às vezes não — um chefe no capítulo inicial claramente tentou pegar emprestado o DNA de lutas como a Lady Butterfly de Sekiro e não acertou o tom. Em suma: o combate brilha com grupos de inimigos (o fluxo tático de priorizar supports/healers e neutralizar ameaças dá satisfação), mas perde diversidade quando o desafio é um duelo singular.
Você prefere combates mais rápidos e frenéticos ou algo mais táctico e pausado? É uma pergunta que vale antes de entrar no jogo.
Sistemas de armas, estilos e a dor de “achar” builds novas
O jogo te dá um bom começo: espada, lança e uma terceira arma bem cedo. O problema real surge depois: novas armas aparecem o tempo todo no mundo — sem aviso — mas muitas vêm sem o respectivo “estilo” desbloqueado. Encontrei uma sombrinha cortante (sim, guarda-chuva-blade) e só consegui usar a arma 10 horas depois, quando finalmente achei o estilo correspondente. E quando achei, estava subnivelada — o que gerou aquela escada chata: gastar recursos pra subir arma e estilo, só para testar se gostei. Nem sempre vale a pena.
Isso força o jogador a uma decisão de custo-benefício: investir tempo e recursos para experimentar uma arma nova versus seguir com o par de armas que já synergiza bem. Por isso, para mim, o jogo virou quase um MMO single-player: planejamento de rota de habilidades, gerenciamento de buffs, janelas de troca de arma bem cronometradas. Se você vem de games como Final Fantasy XIV e curte essa vibe de “rotina de habilidade” pode gostar — eu, como um “lapsed MMO guy”, achei confortável. Mas se você busca combos aéreos e acrobacias ininterruptas, Where Winds Meet não é o seu DMC.
Conteúdo secundário: momentos de criatividade e uma tonelada de filler
O mundo aberto é cheio de surpresas — e algumas delas são brilhantes. Exemplo: um urso praticando tai chi na floresta. Não é só um “easter egg” bonitinho; você pode estudar os movimentos num minigame de timing e aprender tai chi, uma das artes místicas do jogo. Aprendendo essa técnica eu conseguia manipular o vento para arremessar o urso contra pedras, agitar águas rasas para atrair animais, e até desarmar inimigos durante combates. Pequenas surpresas como essa mostram que os designers sabiam pensar em interações ambientais inteligentes.
Por outro lado, o mundo está repleto de atividades que não evoluem: side quests repetitivas, caça, pescar, crafting, duelos, mini-jogos que alternam entre aceitáveis e tediosos. Alguns minigames até começam bem — por exemplo, há uma mecânica de cura que vira um card battler que lembra Slay The Spire — mas quase nada evolui em profundidade ou recompensa emocional/útil ao jogador. O balanço de loot é curioso: tudo solta itens, e você acumula potes, comidas e materiais a todo momento — mas a maioria vira autousada ou fica guardada para quando precisar subir de nível. Inventário até enche, mas quase nada tem impacto imediato no gameplay.
Isso culmina num sentimento: há muito para fazer, mas pouca coisa realmente vale o esforço. Você vai repetir atividades só pra pegar recursos e subir de nível, e não porque a atividade em si é divertida.
Progressão, micromanagement e o desgaste do jogador
Aqui é onde o jogo realmente erra o alvo pra muita gente. Há níveis máximos temporários que te impedem de seguir até que você passe por um “Breakthrough Test” — uma batalha contra ondas de inimigos com tempo limite para avançar. Passou? Ótimo, seu nível sobe. Mas isso também reajusta a força dos inimigos no mundo, o que dá a sensação frustrante de “voltei a andar na esteira”: você grindou pro level X, fez o teste, e agora os inimigos estão um pouco mais fortes, anulando parte do ganho. Depois de quatro desses testes globais, a dificuldade sobe e os encontros ficam bem mais duros.
O uso de timers reais (esperar horas do mundo real por atualizações do servidor para avançar) foi o ponto mais vexatório que experimentei — em duas ocasiões meu progresso ficou travado por uma atualização diária que limitou o avanço, forçando espera. Para jogadores no Brasil, isso é especialmente irritante dependendo do horário da atualização: não dá pra planejar rodadas longas se o jogo decide que “você está progredindo rápido demais”. Sério, não me diga como gastar meu tempo livre.
Além dos milestone tests, o micromanagement do jogo é sufocante. O sistema de equipamentos tem camadas: armas, armaduras e acessórios com pequenos bônus, sets que dão percentuais, e até slots de equipamento que você pode upar para ganhar micro-bônus. Dá pra equipar múltiplos sets que somam porcentagens, e isso transforma a build em uma planilha. Existe um botão “Quick Advance” que usa seus recursos pra upar tudo automaticamente, e o próprio botão é um atestado do excesso de detalhe: se a maioria dos jogadores vai apertar isso, por que o design empilha tantas opções manuais e tediosas? A existência do botão é, no fundo, uma confissão do próprio jogo: “nós sabemos que micromanagement é demais”.
Performance, bugs e navegação: estrada esburacada
No quesito técnico, Where Winds Meet entrega picos de qualidade gráfica visualmente cativantes — cenários, efeitos de partículas e animações em muitos momentos são lindos. Contudo, isso é acompanhado por instabilidades: habilidades de movimentação (pulo triplo, correr pelas paredes) funcionam bem, mas em determinados momentos simplesmente param de responder até você fechar e reabrir o cliente. Imagine estar numa sequência que exige wall-run pra coletar um baú escondido e, de repente, descobrir que sua habilidade não funciona — você perde o baú, o tempo e a imersão. Isso aconteceu mais de uma vez.
A navegação de menus é outro ponto frágil: telas principais com lentidão para abrir, sub-menus com resposta lenta a comandos de controle, tooltips que levam tempo para carregar, e links que levam a telas em branco. No PC e no Xbox Series X a sensação é a mesma: controles às vezes não respondem e você fica naquele vai-e-volta irritante. Se você é daqueles que gosta de ficar testando builds e conferindo números, esperar cada menu carregar é um quebra-ritmo.
Coop, servidores e como o jogo lida com multiplayer
Onde Winds Meet é desenhado com multiplayer em mente: há conteúdos que pedem um grupo — playlists de bases estilo Assassin’s Creed, raids maiores com mecânicas e fases. Porém, o cenário pré-lançamento mostrou servidores escassos, o que dificultou montar times reais. Eu consegui completar raids com party automatizada (NPCs que assumem funções), e elas desempenharam bem o trabalho de “Simon Says” nas mecânicas de sobrevivência. Esses bots são basicamente invulneráveis no modo como estão ajustados, o que reduz o desafio mas garante que você possa pegar itens raros sem ter cinco amigos online ao mesmo tempo.
A questão é: será que esses encontros com AI substituem a experiência esperada de coop? Não totalmente. A sensação de conexão, comunicação e improviso em multiplayer real é outra coisa. Para jogadores brasileiros, encontrar grupos em horários locais pode ser um problema se a base de jogadores não for grande por aqui — fator a considerar se você quer jogar com amigos sem usar party finder internacional.
Design de mundo e exploração: muitos pontos altos e uma tonelada de pontos médios
A exploração do mapa tem picos de criatividade. Os poderes místicos e interações ambientais — como o tai chi com o urso — mostram que o jogo sabe integrar mecânicas no mundo de maneira orgânica. Esses momentos me faziam parar e pensar: “caramba, isso foi bem sacado.” No entanto, o mapa está saturado de atividades que não se sustentam em interesse. Muitos cinco-minutos de side quest que existem só para liberar craft materials ou drops descartáveis. O problema não é só quantidade: é a qualidade das recompensas versus o tempo gasto.
O loot, repetindo, aparece a todo instante. Mas a maior parte fica na zona de “use automático” ou em materiais que você só abre quando precisa upar algo. Isso diminui o prazer de vasculhar cadáveres e abrir baús, que deveria ser um dos motores do looting em RPGs. Não há sensação clara de “isso é raro e vai transformar a minha build” com frequência suficiente. A progressão do gear só começa a se mostrar impactante realmente no fim do jogo, o que cria uma lacuna entre a sensação de recompensa e o esforço de conseguir os itens.
Experiência final: para quem Where Winds Meet é indicado?
Where Winds Meet é um jogo para quem curte ambientação Wuxia, combinações táticas e não se importa em lidar com sistemas profundos de RPG e micromanagement. Se você gosta de montar rotinas de habilidades, otimizar sets e brincar com sinergias de armas, aqui há um playground robusto — desde que você tolere micromanagement e bugs ocasionais. Se você quer ação pura, combos aéreos e uma experiência mais imediata e fluida, provavelmente vai ficar frustrado.
O jogo também pede paciência com a parte técnica: áudio bugado, menus lentos, travadas temporárias nas habilidades de movimentação — problemas que quebram a confiança de quem busca uma experiência mais coesa. E os sistemas de progressão com Breakthrough Tests e gating por atualização podem irritar quem tem pouco tempo livre ou joga em horários brasileiros que coincidem com resets internacionais.
Você é o tipo de jogador que gosta de ficar em planilha de build e continuar lapidando números? Ou prefere ação visceral e fluida que te deixa colado no controle? Where Winds Meet é honesto com sua proposta — é um RPG de ação que puxa muito para o lado MMO —, mas falha em entregar essa ambição sem comprometer a usabilidade.
A despeito dos problemas, há momentos verdadeiramente inspiradores: interações ambientais criativas, alguns combates de grupo que entram em flow, e um cenário que funciona quando a narrativa acerta o tom. Se o estúdio continuar corrigindo bugs de áudio e polindo a interface, e se ajustar a distribuição de conteúdo secundário para ser mais recompensadora e menos repetitiva, o jogo tem potencial de se tornar um título de referência no subgênero Wuxia.
Quem joga no Xbox Series X ou em PC deve pesar os prós e contras. Se o seu perfil é de jogador que aprecia builds, sinergia de armas e pegada MMO-lite com estética Wuxia, Where Winds Meet tende a agradar — mesmo com todos os arranhões. Agora, se você quer um action puro, sem ficar gerenciando dezenas de porcentagens e timers, pode ser melhor esperar patches e ajustes ou olhar para alternativas mais diretas.
No fim das contas, Where Winds Meet é como um poema Wuxia escrito num pergaminho rasgado: tem trechos lindos que lembram por que amamos esse tipo de fantasia, mas também partes faltando que deixam você ajeitando a história no seu próprio jeito. Ainda assim, pra quem gosta de perder horas mexendo em builds e montando estratégias, há ouro aqui — só que é preciso paciência pra peneirar as pedras.
E você, curtiu a pegada Wuxia com uma camada pesada de RPG sistêmico, ou acha que o jogo perdeu muito por falta de polimento? Quero saber nos comentários: qual foi a coisa mais frustrante que você enfrentou em jogos com elementos MMO misturados a action RPG?