No mês passado, a Leenzee Games prometeu que os problemas de desempenho que atrapalhavam Wuchang: Fallen Feathers desde o lançamento seriam corrigidos rápido. O patch 1.5 realmente entrega várias melhorias técnicas — animação de cura mais rápida, cancelamento de recovery com dodge e otimizações preparatórias para respawn mais próximo de bosses — mas trouxe mudanças nas mecânicas, inimigos e na própria narrativa que deixaram boa parte da comunidade desconfortável. O que era um update focado em performance virou uma revisão narrativa e de design que, para muitos, quebra a proposta temática do jogo. Por quê isso aconteceu e qual o impacto real na experiência? Vamos destrinchar.
O que mudou com o patch 1.5
Tecnicamente, o patch 1.5 faz coisas muito acertadas: redução do tempo de cura, melhoria no fluxo de combate com dodge cancel, correções pontuais de bugs e otimizações que, segundo as notas, preparam o sistema para permitir respawns mais próximos de chefes. Isso resolve frustrações legítimas de jogadores competitivos que valorizam responsividade e ritmo.
Mas, embutidas nas notas apareceu uma série de alterações estranhas no texto do patch: adição de diálogos para NPCs, “adição de voz ‘Wuchang’ para completar a história”, correção de um bug de facção no Capítulo 4, e uma nota sobre otimizar animações de exaustão para “melhorar a performance da trama”. Foram essas linhas que chamaram atenção — porque significavam mudanças que não são só técnicas, são narrativas e mecânicas fundamentais.
“Parece que a última atualização de WUCHANG, que facilita muito o esquiva e acelera a cura, infelizmente autocensurou um pouco a história do jogo. Um personagem historicamente significativo não morre mais; foge feliz para viver em paz, e você não pode mais matar NPCs camponeses inocentes.” — Lance McDonald (@manfightdragon)
Impacto na jogabilidade
Antes do patch, era possível mirar e matar certos NPCs humanos que não atacavam — uma ação que mexia com a mecânica de “loucura” do personagem e criava decisões morais e de risco interessantes. Agora esses NPCs são intangíveis: não podem ser alvo, não morrem, e isso elimina uma camada de escolha que afetava build e estilo de jogo. Em termos práticos, o leque de interações diminuiu.
No Capítulo 4 isso é ainda mais evidente: diversas unidades humanas que antes atacavam agora são neutras. Resultado? Um capítulo que era caótico e exigia manejo de multidões virou algo bem mais trivial. Lance McDonald resumiu bem em outro post:
“Uau, o Capítulo 4 inteiro agora está absurdamente fácil porque 50% dos inimigos são não-hostis e você não pode atacá-los durante a revolta. Que bagunça.” — Lance McDonald (@manfightdragon)
Isso tem impacto direto em nível de desafio e, por consequência, rejogabilidade. Se metade do design de encounters foi “desarmado”, a curva de dificuldade e a sensação de conquista mudam bastante.
Alterar inimigos para não-hóstis na tentativa de reduzir carga em CPU/AI é compreensível, mas transformar mecânicas que movem a narrativa em uma solução de performance é perigoso para a integridade do design.
Bosses também foram afetados: vários chefes que antes morriam agora simplesmente “caem de cansaço”, fogem ou declaram que a luta era um “teste” e pronto — a morte não acontece mais. Para um jogo que explora temas de morte, aceitação e fim de ciclos, isso é um choque de direção.
“Um dos chefes mais difíceis e épicos agora termina sem morrer; ele diz ‘era só um teste! E na verdade o caminho que você trilha é bom! Hahaha!’” — Lance McDonald (@manfightdragon)
Quando a morte deixa de ser consequência narrativa, a mensagem central do jogo perde força.
Por que isso aconteceu? As notas não dizem. A Leenzee não deu declaração além do texto do patch (IGN procurou por comentário). A especulação mais forte entre jogadores é que houve pressão para evitar representação de morte de personagens ligados à dinastia Ming — uma sensibilidade histórica que poderia repercutir mal junto a público chinês.
“Melhorar a performance é bem-vindo. Mas essa pode ser a primeira vez que vejo enredo ser mudado pós-lançamento. A mudança deixa a história diferente e torna motivações de personagens inúteis.” — comentário de usuário no Steam (avalição ‘não recomendado’, 58 horas no jogo, 13 de agosto)
A reação foi mista: subreddits e fóruns ocidentais estouraram com críticas; já o r/wuchanggame parece ter pouca ou nenhuma crítica pública do patch, e há alegações de que posts críticos foram removidos por moderadores. Isso adiciona uma camada de mistério sobre a real motivação por trás das mudanças.
Contexto histórico importa: Fallen Feathers é ficção histórica ambientada nos anos finais da dinastia Ming — tema sensível. O jogo originalmente usava o fim da Ming como metáfora para aceitar o fim e a perda. Se personagens Ming agora não morrem, a metáfora enfraquece e o enredo perde consistência. Jogadores que ligaram com a temática se sentem traídos.
IGN deu ao jogo 8/10 no lançamento, elogiando combate, level design e bosses. “Yet another great soulslike… excellent combat, wonderful level design, an incredible skill tree, and fearsome bosses.” — Rebekah Valentine, IGN Essa recomendação ainda vale para a versão pré-patch: se você ainda consegue jogar 1.4, pode preferir manter aquela experiência intacta.
Do ponto de vista técnico, a abordagem de tornar NPCs intangíveis é uma solução rápida para reduzir custo de AI, colisão e verificação de morte, além de evitar scripts complexos de animação morta. Mas é uma medida de curto prazo e, como já vimos, com custo narrativo elevado. Alternativas mais elegantes poderiam ser: reduzir densidade de inimigos em áreas críticas, ajustar LOD de animações, ou otimizar rotinas de IA sem mexer em resultados de combate e narrativa.
A ausência de transparência da Leenzee amplifica desconfianças. Desenvolvedores que fazem alterações narrativas pós-lançamento deveriam comunicar claramente motivo (técnico, legal, cultural) e dar opções aos jogadores — rollback para versões anteriores, modo “originais” ou patches opcionais que não mexam na narrativa seriam soluções minimamente aceitáveis.
No fim, a atualização 1.5 de Wuchang mostra um conflito clássico: performance vs. integridade do design. Melhorias técnicas são necessárias e bem-vindas, mas quando o remédio altera a identidade do jogo, surgem perguntas difíceis. Será que atualizar um jogo ao custo da sua própria mensagem é justificável? E os jogadores, têm direito de escolher qual versão preferem? A conversa entre comunidade, moderadores e desenvolvedora precisa acontecer — e rápido — antes que a versão “definitiva” do jogo perca aquilo que fez muitos se importar com ele desde o lançamento.